The Question of Scientific: New Paradigms
Ariane P. Ewald1
Deise Mancebo
Anna Paula Uziel
Eleonora T. Prestrelo
O meio científico apresenta ainda
dificuldades em chegar a um acordo sobre o que é científico e o que não é. As
polêmicas em torno de determinadas questões perduram como se tivessem acabado
de começar e os argumentos raramente se renovam. O que torna realmente uma
pesquisa científica, ainda não encontrou o seu consenso (OLIVA, 2003), apesar
das afirmativas contundentes que geralmente costuma-se ouvir das diversas áreas
de conhecimento. Será esta uma questão de paradigmas, tal como enunciado por
Thomas Kuhn (1978)? Que paradigmas estão servindo de fundamento para a
discussão do que é ou não científico? Pode-se perguntar, ainda, se o mesmo
paradigma deve ser utilizado pelas ciências, de forma geral, criando com isso o
risco de uma generalização uniformizadora para áreas cujos objetos de estudo
são tão diferenciados.
Em A estrutura das revoluções
científicas, Thomas Kuhn já defendia uma concepção de ciência
historicamente orientada (1978, p.15) pois, para ele, é a história que
permite a identificação do que se
concebe, num determinado período, por científico. Defende, ainda, que mesmo que
trabalhos não sejam compatíveis com as concepções atuais de ciência, não
significa que não sejam científicos e que o mesmo pode ser pensado em relação
às teorias obsoletas. As conseqüências desta concepção remetem ao
desmantelamento de um dos principais pilares da tradicional forma de se fazer
ciência: a crença de que os dados empíricos não são afetados pela teoria do
observador e de que o avanço da ciência fornece, por acúmulo, uma verdade cada
vez maior sobre o mundo. Esta outra forma de conceber a ciência inviabiliza
vê-la como um simples processo de acréscimos, e abre a oportunidade de
pensarmos o “científico” a partir da relação de concepções num determinado
momento histórico, encontrando ali a coerência interna necessária para um outro
tipo de concepção de ciência. Abre-se também o caminho para repensarmos o
processo de educação da/para a ciência nos meios acadêmicos – lugar em que a
“ciência normal” efetivamente acontece – e que, sem sombra de dúvida, partem,
na concepção de Kuhn, de um paradigma estabelecido que encaminha o conhecimento
científico para uma concepção de “moldura pré-estabelecida”. Assim, a “ciência
normal”, que é a atividade na qual a maioria dos cientistas emprega a maior
parte do seu tempo, “é baseada no pressuposto de que a comunidade científica
sabe como é o mundo” e busca, vigorosa e devotadamente, “forçar a natureza a
esquemas conceituais fornecidos pela educação profissional” (KUHN, 1978, p.
24). O paradigma fornece, portanto, um modelo de pensamento completo e fechado
e ao aceitá-lo, o cientista já se coloca sob um padrão de escolhas e decisões
que dizem respeito a técnicas de pesquisa, ao que deve observar, as questões a
serem formuladas, problemas, formas de explicação e interpretações aceitáveis
ou não (OLIVA, 2003).
Podemos pensar, portanto, que fazer
ciência não é simplesmente seguir um caminho previamente estabelecido, nos
moldes da história de João e Maria que deixaram um caminho de migalhas de pão
para não se perderem no meio da floresta, sem prever que os passarinhos os comeriam.
É ir além da “ciência normal”, é refletir sobre o mundo a partir de parâmetros
inesperados, desestabilizar este modo normal de fazer ciência e, ainda
assim, estar produzindo narrativas e conhecimentos extremamente relevantes para
a compreensão das coisas do mundo vivido. Ser um pouco anárquico no pensar e no
produzir conhecimento, como defende Paul Feyerabend (1977).
Zigmunt Bauman, em entrevista concedida a
Maria Lúcia Pallares-Burke, ao ser inquirido sobre sua formação de sociólogo e
se a literatura pode ensinar sobre a sociedade e a condição humana, afirma que
as “narrativas sociológicas”, provenientes dos livros e cursos que realizou
durante tantos anos, não são superiores a outras narrativas, pois têm sempre de
demonstrar e provar seu valor e utilidade pela qualidade de seu produto. “Eu,
por exemplo”, afirma Bauman, “me lembro de ganhar de Tolstoi, Balzac, Dickens,
Dostoievski, Kafka ou Thomas More muito mais insights sobre a substância
das experiências humanas do que de centenas de relatórios de pesquisa
sociológica. Acima de tudo, aprendi a não perguntar de onde uma determinada
idéia vem, mas somente como ela ajuda a iluminar as respostas humanas à sua
condição – assunto tanto da sociologia como das belles-lettres” (2004,
p.319). É possível, com isto, pensarmos que a dimensão do humano nos impõe
outras tarefas, que vão além da “ciência normal” e, ao mesmo tempo, estarmos
atentos para não produzirmos o que Peter Burke (2002) chama de “um diálogo de
surdos” dentro deste próprio fazer. Este mesmo autor lembra que o hoje clássico
e elogiado estudo de Jacob Burchardt, Cultura do Renascimento na Itália,
escrito em 1860, que trata do nascimento do conceito de indivíduo – conceito
este tão caro às ciências humanas e sociais - teve pouquíssima repercussão porque
se baseava muito mais em fontes literárias do que em registros oficiais. Neste
sentido, podemos lembrar a importância do surgimento da Escola dos Annales
(Burke, 1991) que estabeleceu um novo modo de olhar para a História. A intenção
de Marc Bloch e Lucien Febvre era fazer com que a História se tornasse mais
ampla e humana e assim estenderam suas reflexões procurando fazer uma
interlocução com áreas como Antropologia, Geografia, Lingüística e Psicologia.
Essa preocupação também esteve presente no trabalho de Fernand Braudel que era
versado em economia e geografia e acreditava firmemente em um mercado comum das
ciências sociais (BURKE, 2002, p. 31). A definição de História que o próprio
Braudel (1992) usa em seu texto História e Sociologia é bastante singular
e ilustra bem esta discussão: “não há uma história, um ofício de
historiador, mas, ofícios, histórias, uma soma de curiosidades, de pontos de
vista, de possibilidades, soma à qual amanhã outras curiosidades, outros pontos
de vista, outras possibilidades se acrescentarão ainda” (p.92, grifos do
autor).
Em prefácio ao livro de Iray Carone
(2003), que retoma a discussão dos paradigmas na Psicologia, Yves de la Taille
relembra a relação entre Psicologia e Epistemologia, já bastante abordada por
Japiassu em alguns de seus livros (1975, 1975a, 1988, 1991, 1994). Mas ele
lembra a severa crítica feita por Canguilhem, nos anos 50, à Psicologia, e que,
oportunamente neste momento, a revista Estudos e Pesquisas em Psicologia
ilustra com um artigo sobre a polêmica que ali se iniciou. É ele que abre este
número da revista, relatando a polêmica criada em torno do já clássico texto
"Qu'est-ce que la psychologie?" de G. Canguilhem. Jean François
Braustein, no artigo intitulado “La Critique Canguilhemienne de la Psychologie”,
procura, antes de mais nada, situar o leitor no contexto da discussão, pois o
texto surgiu de uma conferência pronunciada em 1956 e que foi posteriormente
publicada na Revue de métaphysique
et de morale. A história do artigo e as polêmicas que se desdobraram a
partir dele são, como diz o próprio autor, “relativamente complexas” pois levam
dois autores, Canguilhem e Lagache - cuja afinidade intelectual estava
explicitada em seus próprios textos, a exporem diferenças que até então não se
colocavam como tão relevantes. Como lembra Braustein, o artigo de Canguilhem
começa por uma afirmação bastante dura, defendendo que o estatuto da psicologia
é pouco claro e que mistura uma filosofia sem rigor com uma ética sem exigência
e uma medicina sem controle, procurando demonstrar, ao longo do seu texto, que
a psicologia não possui nenhuma unidade. Com este artigo, Jean François
Braustein explicita o percurso que se faz na construção do conhecimento
científico que, muitas vezes, é atravessado por pontos de vistas divergentes
tanto científica quanto pessoalmente.
No segundo artigo, “O Homem sem
Qualidades. História Oral, Memória e Modos de Subjetivação”, Heliana de
Barros Conde discute a história oral como ferramenta para a construção da
história da Análise Institucional no Brasil. Recorrendo à noção de
“memória-composição” de Alistair Thomson, a autora discute as relações entre a
prática da história oral, as formas de coleta de lembranças e a criação de
possibilidades metodológicas futuras neste processo. Heliana Conde parte da sua
própria memória para realizar esta discussão e não hesita, a partir dos estudos
que realizou sobre história oral, em colocar em cena as noções que, mesmo vindo
de outras áreas, considera importantes para auxiliar neste trabalho de reconstrução
da memória da Análise Institucional.
O
artigo de Ivone G. Barbosa e Solange M. O. Magalhães, “Método dialético: uma
construção possível na pesquisa em educação da infância”, se propõe a refletir,
do ponto de vista metodológico, sobre as práticas educativas que são usadas na
educação da infância. Procura então, a partir de estudos e investigações já
realizadas e sobre eles exercendo uma reflexão crítico-metodológica, perceber a
possibilidade de uma orientação dialética para a criação de paradigmas teórico-metodológicos
que possam dar conta da dinâmica inerente ao seu objeto de estudo, reforçando
as palavras de Adam Schaff (1991) de que é preciso assumir que o conhecimento é
um processo infinito de verdades parciais que a humanidade estabelece nas diversas
fases do seu desenvolvimento histórico (p. 97).
O artigo “Trabalho Infantil e Ideologia
nas Falas de Mães de Crianças Trabalhadoras”, de Izabel Feitosa e Magda
Dimenstein, parte de grupos focais de mulheres que são mães de crianças que
estudam e trabalham para perceber que a inserção da ideologia do trabalho está
imersa nas suas práticas discursivas e analisar como elas atuam como
reprodutoras de uma vivência de trabalho para seus filhos. Para as autoras,
quando se trata da criança pobre, o trabalho infantil apresenta-se como uma
prática que vem sendo reforçada historicamente pela família.
Por fim, o texto de Carla Ribeiro
e Denise Leda, “O significado do trabalho em tempos de reestruturação
produtiva”, investiga o significado do trabalho na sociedade contemporânea,
caracterizado pelo desemprego, pela precarização e pela desvalorização do fazer
humano. Destacam o crescente esvaziamento do valor social e psicológico do
trabalho e a tendência de mercantilização do mesmo.
Na seção de comunicação de pesquisa, é
apresentado o trabalho de Leonardo Cruz da Silva sobre identidade masculina.
Sob o curioso título “Playboy, a revista para ser lida com uma só mão: produção
ou apropriação de sentido da identidade masculina?”, o autor parte de alguns
questionamentos em torno da masculinidade para, através da análise de
propagandas publicadas na Revista Playboy nos anos 80, pensar a produção de
sentido de uma identidade masculina.
A seção Resenha apresenta, através da
escrita de Maria da Graça Gonçalves, o livro de Fernando González-Rey, “Sujeito
e Subjetividade: uma aproximação histórico-cultural”, livro em que o autor
analisa o curso histórico da construção do conhecimento sobre sujeito e
subjetividade, assumindo uma perspectiva dialética e de profundo interesse para
as temáticas da Psicologia.
1 Professoras e pesquisadoras do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Referências Bibliográficas:
BAUMAN,
Z.; PALLARES-BURKE, M. L. G. Entrevista. Tempo Social. Revista de Sociologia
da USP, Departamento de Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e
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As paixões da ciência: estudos de história das ciências. São Paulo:
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