EDITORIAL DA DIVERSIDADE NA PSICOLOGIA Eleônora Torres Prestrelo* Ana Maria Jacó-Vilela Ariane Patrícia Ewald Deise Mancebo Anna Paula Uziel
Essa diversidade remete à discussão sobre a identidade da Psicologia, noção tão cara à nossa sociedade, ainda que provocando manifestações contrárias, indignações, reivindicações, acusações de amarras. Uma das principais críticas feitas ao conceito atualmente refere-se à incompatibilidade entre a definição mais tradicional e a idéia de processualidade, portanto, transformação, movimento (JACQUES, 2002). Ou, nas palavras de Hall: está-se efetuando uma completa desconstrução das perspectivas identitárias em uma variedade de áreas disciplinares, todas as quais, de uma forma ou outra, criticam a idéia de uma identidade integral, originária, unificada. (HALL, 2003, p. 103) A identidade do psicólogo e a delimitação de seu campo de estudo têm aparecido ultimamente no embate com outros profissionais em atividades ou formas de atuação tradicionalmente do campo da Psicologia. Ao invés de redirecionar a discussão, propor um debate e imaginar como saberes diferentes podem somar e contribuir para as instituições e os sujeitos envolvidos, o que tem acontecido, em geral, é a disputa de mercado, obedecendo a uma lógica que corre o risco de afastar os que assim se comportam das novas necessidades que surgem nesta sociedade globalizada e veloz. Pensar no universo “psi” é se dispor a reunir posições díspares e afinidades impensadas, podendo gerar encontros fecundos. Longe de dissolver a Psicologia, como temem muitos, trata-se de ampliar seu campo de análise, fazer alianças com outros saberes, repensar velhos instrumentos, tornar viva a história. A revista Estudos e Pesquisas em Psicologia é um retrato da diversidade e da riqueza da Psicologia. Os artigos contemplam temas distintos, com metodologias diversas, atraindo leitores variados. Alguns textos são um convite a um mergulho na perplexidade. "Parâmetros psicométricos de instrumentos de interesse profissional", de Ana Paula Porto e Fernanda Ottati, traz um paradoxo. Trata-se de um estudo para avaliar a qualidade dos instrumentos de avaliação de interesses publicados no Brasil. No entanto, a conclusão a que chegam as pesquisadoras é a de que os instrumentos consultados não apresentam estudos sobre seus próprios parâmetros. Contradição? Outro texto que conduz à sensação semelhante intitula-se "No ensino, quem dança? Uma análise crítica sobre a criatividade no ensino da dança", de Suselaine Serejo Martinelli, Silviane Barbato e Albertina Martinez Mitjáns. As autoras demonstram que a dança tem se tornado cada vez mais o desenvolvimento de técnicas e habilidades específicas, distanciando-se da dimensão artística que remeteria à criatividade. O que há em comum nestes dois trabalhos, apesar de universos, referenciais e objetos tão distintos, é a impressão de que algo está fora do lugar... Em ambos é possível identificar uma aparente contradição entre o tema e a conclusão a que se chega. Não pela forma como estão escritos ou ainda pelo seu conteúdo. Sua importância, que transcende o conteúdo exposto, centra-se no questionamento do próprio objeto pesquisado, exercício raro. O resultado da pesquisa analisada em "A vida ouvida: a escuta psicológica e a saúde da mulher de meia-idade", de Maria Elizabeth Mori e Vera Lúcia Decnop Coelho, destaca a importância da participação do psicólogo no trabalho desenvolvido por diversos profissionais de saúde com mulheres de meia idade. Significa, ao mesmo tempo, a constatação da ampliação do campo de trabalho do psicólogo e a necessidade de se investir em pesquisas sobre os serviços oferecidos à comunidade. Este trabalho reúne pesquisa e exercício profissional estrito senso, campos que em geral andam separados, dividindo academia e técnicos. "Paternidade em famílias de camadas médias", de Geraldo Romanelli, aborda uma questão que tem despertado a atenção de psicólogos, antropólogos, sociólogos, demógrafos e pesquisadores em geral. As mudanças no exercício da paternidade geram transformações não apenas nas relações familiares, mas na compreensão das relações de gênero. Estudos sobre a temática contribuem para a compreensão da família atualmente e podem ser utilizados como referência para o planejamento de intervenções. "A noção de angústia na prática clínica: aproximações entre o pensamento de Kierkegaard e a Gestalt-Terapia", de Adriano Furtado Holanda e Manuela Bogéa Peres, convida para uma reflexão filosófica instigante. O recurso a um aprofundamento dos conceitos de que dispomos, tão imprescindível para pensar a prática clínica, contribui para o fortalecimento da teoria e para a ampliação da capacidade de compreensão do sujeito. "Desafios para el afianzamiento de la investigacion psicologica em el Paraguay", de Jose E. Garcia, retrata a difícil realidade da pesquisa em Psicologia naquele país. A perspectiva crítica abordada, apesar de se referir a um país específico, contribui para a reflexão das circunstâncias nas quais se encontram as pesquisas em Psicologia no Brasil e nos outros países da América Latina. A reflexão sobre onde se ancora a dificuldade e o que a gera parece ser um instrumento eficaz no seu combate. Este número apresenta a pesquisa intitulada "Saúde e trabalho nas escolas: experimentando a construção de outros modos de fazer Psicologia", de Maria Elizabeth Barros de Barros e Sônia Pinto de Oliveira. Parte-se da concepção marxista de modo de produção para fazer um mergulho histórico na transformação da educação em objeto da escola. O sucateamento da educação através das diversas faltas de investimento, seja no professor, seja na estrutura dos estabelecimentos educacionais, é analisado com o intuito de ter mais elementos para analisar as conseqüências deste fenômeno de forma ampla. Como se trata de uma pesquisa atrelada à intervenção, nota-se uma preocupação em elaborar formas de combate à situação constatada, como atuar junto aos processos de formação dos professores da rede pública. A incorporação da pesquisa no cotidiano de trabalho foi vista como uma possibilidade de pôr em movimento a formação e o desafio do professor, gerando outras formas de organização. O tema da tese que comentamos, “O debate atual sobre a Formação em Psicologia no Brasil”, de Jeferson de Souza Bernardes, relaciona-se com todos os outros tratados aqui, se considerarmos as extensões possíveis das discussões travadas por seus autores: discute a formação em Psicologia no Brasil. Neste debate, problematiza-se a relação entre a retórica científica, a lógica neoliberal hegemônica e a mercantilização do ensino no país. O trabalho analisa documentos considerados marcos na negociação do caminho da profissão e tem como pano de fundo um panorama mais amplo da sociedade, que produz valores que contribuem para o entendimento do que pretendemos com a educação. O livro de Malvine Zalcberg, A relação Mãe e Filha, resenhado por Dóris Rinaldi, reúne, além do percurso freudiano sobre a feminilidade, a vasta experiência clínica da autora e obras de literatura, teatro e cinema, tratando a temática de forma criativa e inovadora. A autora busca ainda a grande contribuição de Lacan, descobrindo que a lógica fálica não é capaz de dar conta das particularidades da sexualidade feminina. Este livro tem servido de referência para uma série de trabalhos em curso, que tratam especificamente do tema ou que o tangenciam, pela reunião da criação, qualidade e fluidez do texto. Que a pergunta “quem precisa de identidade?”, feita por Hall (2003), nos seja útil para o desafio de ampliação do campo de saber da Psicologia em interação com áreas próximas de conhecimento, sem medo de se estender fronteiras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS * Professoras e pesquisadoras do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. |