ARTIGO 5 AVALIANDO A DOMINÂNCIA E A ARGUMENTAÇÃO EM APRENDIZAGEM POR INTERAÇÃO ASSESSING THE DOMINANCE AND THE ARGUMENTATION IN INTERACTION LEARNING Fermino Fernandes Sisto*
PALAVRAS-CHAVE
A sociogênese intervém na psicogênese desde os estágios elementares do desenvolvimento e sua influência cresce progressivamente em relação à sucessão dos estágios. Uma vez construídas as operações, estabelece-se um equilíbrio entre o social e o mental, pois o indivíduo, tornado membro adulto da sociedade, não mais pensaria fora dessa socialização. Nesse contexto, a construção progressiva das operações intelectuais supõe uma interdependência crescente entre os fatores mentais e as interações interindividuais (PIAGET, 1973a). A transmissão social pode acelerar o desenvolvimento cognitivo individual, porque entre uma maturação orgânica que forneça potencialidades mentais, mas sem estruturação psicológica, e uma transmissão social que fornece os elementos e o modelo de uma construção possível, há uma construção que traduz em estruturas mentais as potencialidades oferecidas pelo sistema nervoso. Assim, o biológico invariante (enquanto hereditário) prolongar-se-ia simultaneamente em mental e em social e a interdependência desses dois fatores explicaria as acelerações ou os atrasos do desenvolvimento (PIAGET, 1973a). Nesse sentido, a interação social seria uma condição necessária para o desenvolvimento da lógica, pois transformaria a natureza do indivíduo, tornando-o menos egocêntrico, favorecendo a cooperação, com regras de autonomia e reciprocidade, elemento essencial para o pensamento lógico e o sistema de noções e signos (PIAGET, 1973b). Existem dois tipos extremos de relações interindividuais ou sociais: a coação e a cooperação. A primeira implica um elemento de respeito unilateral, de autoridade, de prestígio, de submissão, e conduz à heteronomia. A segunda implica uma troca entre indivíduos iguais, com igualdade de direitos ou autonomia, assim como reciprocidade entre personalidades diferenciadas. A cooperação socializaria o indivíduo e a coação, por sua vez, seria aliada do egocentrismo infantil (PIAGET, 1994). Hoje em dia, a idéia de que as operações cognitivas têm uma origem social está bastante difundida e muitos estudos investigaram a função do conflito cognitivo nesse contexto (por exemplo, SISTO, 1999). Ao averiguar esses estudos, percebeu-se que enfocaram o benefício da interação social na aprendizagem e analisaram fatores que, possivelmente, interferiram nesse processo. Entre os fatores estudados foram encontrados, principalmente, idade, complacência, relações de poder, diferenças de níveis cognitivos, presença do adulto. Doise e Mugny (1983), Clermont e Nicolet (1988) e Mugny e Pérz (1988) salientaram que, para que a interação fosse capaz de provocar progressos, seria necessário que as diferenças fossem tratadas de um modo interativo, pois o conflito social ou desacordo seria solucionado de duas formas: relacional ou sócio-cognitiva. No primeiro tipo, estaria inserida a complacência ou submissão, observada quando um dos sujeitos da interação assume as respostas do outro sujeito, tornando-o pouco provável de ser positivo para o progresso cognitivo; no segundo, a tônica seria a cooperação, tornada objeto de interesse para o progresso, pois interativo. Para que a resolução se desse seguindo um modo sócio-cognitivo, seria necessário que os sujeitos aceitassem confrontar suas respostas e seus pontos de vista e que os seus intercâmbios tivessem uma estrutura horizontal. Os sujeitos teriam que cooperar na busca de uma solução cognitiva comum. Em conseqüência, o conflito produziria um duplo desequilíbrio, interindividual e intraindividual, o primeiro provocado pelo conflito entre respostas socialmente diferentes, e o segundo porque uma resposta diferente da própria poderia produzir um conflito interno. Doise e Mugny (1983) afirmaram que a complacência poderia interferir na aprendizagem de uma noção; que o sujeito que concordou com a opinião do outro teria mais dificuldade em confrontar opiniões e, assim, a situação experimental não chegaria a provocar uma perturbação no sistema cognitivo do sujeito. Tem havido uma diversidade muito grande de estudos a respeito da aprendizagem em situação de interação em duplas. Puderam ser destacadas, por exemplo, as pesquisas sobre os efeitos da modelagem na aprendizagem (SILVERMAN; STONE, 1972; BOTVIN; MURRAY, 1975; ROSSER; HORAN, 1982; MACKIE, 1983); o conflito em grupo e individual (DOISE; MUGNY, 1978; RUSSEL; MILLS; REIFF-MUSGROVE, 1990); e o estudo das relações entre aprendizagem por conflito sócio-cognitivo e a integração do ego, feito por Urquijo e Sisto (2002). O efeito da dominância, observada quando a resposta de um dos sujeitos da interação é assumida pelo outro sujeito, não pareceu ter sido o mesmo em todas os estudos levantados, sendo apontada por alguns autores como fator determinante da modificação do nível cognitivo e, por outros, colocado em dúvida. Os diferentes pesquisadores não chegaram a um acordo sobre o tipo de díade mais benéfico para a ocorrência do progresso cognitivo. No entanto, autores como Murray (1974) apontaram que as díades formadas por crianças não-conservadoras e intermediárias, ou formadas por não-conservadoras e conservadoras, levaram a progressos mais significativos. É importante destacar que o contato com os demais e a troca de informações são, teoricamente, favoráveis ao desenvolvimento cognitivo. Mas ainda há dúvidas sobre a influência do outro numa interação de duplas, no sentido de ser um facilitador ou um dificultador da aprendizagem, por causa das diferentes variantes que permeariam as relações sociais (poder, complacência, entre outros). Assim, em seu estudo, Silverman e Geiringer (1973) não comprovaram que duplas de conservadores (crianças que defendiam que a mudança de forma na configuração não afetava, no caso específico desse experimento, a quantidade de peso, o número de elementos de um conjunto de objetos, a quantidade de massa e comprimento de uma reta) prevaleceram sobre não-conservadores (as que defendiam que a mudança de forma afetava), pois não iniciaram mais vezes a interação, apesar da resposta de conservação prevalecer. Os dados de Silverman e Geiringer (1973) mostraram que os não-conservadores complacentes retiveram e generalizaram o conceito de conservação e os conservadores complacentes reverteram seu ponto de vista sobre a conservação. Na pesquisa de Russel (1982), os não-conservadores resistiram à exposição de julgamentos contrários e, quando mudaram de opinião, fizeram-no por submissão ao parceiro, facilitando a interpretação de que o conflito cognitivo não foi uma experiência suficiente. Por sua vez, os resultados de Azmitia (1988) mostraram que as crianças sem experiência na realização da tarefa foram as únicas que melhoraram o desempenho, quando trabalhando com crianças com mais experiência. Examinando os resultados das interações, Russel, Mills e Reiff-Musgrove (1990) informaram que o efeito de dominância nas duplas de não-conservadores não foi evidente, mas se um deles era conservador, os dominantes deram mais respostas de conservação e os não-conservadores adotaram-nas. Outros experimentos, entretanto, relataram resultados diferentes, favorecendo a utilização do conflito sócio-cognitivo para produção de mudanças efetivas. Assim, mesmo havendo predominância dos argumentos dos conservadores, Miller e Brownell (1975) concluíram que as mudanças não foram um reflexo da imposição social do par. Experimentos com jogo cooperativo, divisão de tarefas com conservação de líquido e números, conservação de comprimento e tarefa de reconstrução espacial forneceram indicadores suficientes para que Doise e Mugny (1983) explicassem as mudanças pela interação social produzida. Uma das ressalvas foi o experimento da conservação do comprimento, no qual procurou-se ensiná-la em uma única situação de conflito, possibilitando a conclusão de que o fator complacência interferiu na aprendizagem, no sentido de dificultar sua aquisição. A esse respeito, os desacordos ativos não proporcionaram mudanças cognitivas na pesquisa de Bearison, Magzamen e Filardo (1986), já que ocorreram de forma equilibrada e promoveram o progresso cognitivo, quando não houve o domínio de um dos parceiros. Valendo-se de uma série de experimentos, Doise e Mugny (1983) defenderam que se deveria evitar que um dos sujeitos se conformasse com a resposta do outro, pois, se isso acontecesse, todo o conflito seria anulado. Afirmaram que o efeito inibidor da dinâmica psicossocial de complacência (de evitar o conflito dentro de uma relação assimétrica) pôde ser observado em diversos níveis, sempre com o mesmo resultado: os sujeitos que cederam frente ao outro não progrediram. Quando a relação foi assimétrica, o conflito deixou de ser uma simples oposição de respostas, passando a ser um conflito entre dois agentes sociais, ocupando postos sociais. Ao lado desses resultados e interpretações, na maior parte dos estudos analisados (SILVERMAN; GEIRINGER, 1973; MILLER; BROWNELL, 1975; DOISE; MUGNY, 1983; RUSSEL, 1981; AMES; MURRAY, 1982; BEARINSON, 1986; AZMITIA, 1988; MUGNY; PÉRZ, 1988; entre outros), a complacência foi estudada e observada em apenas uma sessão e uma única situação de conflito. Também, em alguns casos não foi observada, em situação experimental, mas foi perguntado aos professores quais dos seus alunos possuíam ou não características de dominância ou liderança (por exemplo, RUSSEL; MILLS; REIFF-MUSGROVER, 1990). Nesse contexto, a pergunta colocada nesta pesquisa foi: se a interação continuasse, continuaria havendo dominância e seria a mesma pessoa quem dominaria nas interações seguintes? Para realizar essa pesquisa, colocou-se o foco na passagem do período representacional para o operatório-concreto e as crianças foram postas frente a perguntas que apontavam para uma contradição lógica em relação à forma de explicar ou justificar um juízo feito. Nesse sentido, procurou-se produzir conflitos, já que a utilização do conflito cognitivo tem tido como vetor a colocação da criança frente aos aspectos negativos de suas justificativas ou observações a fim de que possa anulá-los ou incorporá-los e, assim, iniciar a construção da reversibilidade (SISTO, 1993,1997). Foram considerados, também, os estudos realizados por Doise e Mugny (1983), que alertaram para o fato de que, quando a relação foi assimétrica, o conflito deixou de ser uma simples oposição de respostas, passando a ser um conflito entre dois agentes sociais, ocupando postos sociais, fáceis de serem destacados numa situação como a de experimentação. Procurou-se, então, neutralizar certas diferenças entre os sujeitos, numa tentativa de evitar a coação com base apenas social ou etária. Para isso, as duplas foram formadas por crianças da mesma classe, com o mesmo nível inicial da noção estudada e com idades aproximadas. Além disso, alternou-se a quem perguntar sobre a nova situação conflitiva. Nessas condições, esta pesquisa visou estudar a manifestação da dominância entre pares em uma situação de aprendizagem de uma noção de conservação (comprimento, no caso) em que as crianças foram postas frente a contradições de seus argumentos justificadores, com base na técnica do conflito cognitivo (SISTO, 1993, 1997), para provocar o aparecimento de indícios de pensamento operatório-concreto. MÉTODO 2.1) SUJEITOS EXPERIMENTAIS 2.2) PROCEDIMENTOS GERAIS A etapa seguinte foi a da intervenção, composta por três sessões experimentais, sendo que nas duas primeiras as crianças assistiram a um vídeo sobre a prova e, em seguida, passaram por uma intervenção mediada por conflito sócio-cognitivo. Na terceira sessão experimental, o vídeo não foi exibido por causa da constatação, feita no estudo piloto, sobre o desinteresse dos sujeitos pelo filme a partir da terceira exibição. 2.3) MATERIAL PROVA DE CONSERVAÇÃO DE COMPRIMENTO E
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO Quando o sujeito afirmava a igualdade de comprimento em todas as transformações, dando argumentos operatórios, ele foi considerado conservador. Quando afirmava a igualdade de comprimento em algumas transformações, dando pelo menos um argumento operatório, foi considerado intermediário. Quando ele não afirmou a igualdade de comprimento, ou afirmou sem dar argumento operatório algum, foi considerado não-conservador. 2.4) INTERVENÇÃO POR CONFLITO
SÓCIO-COGNITIVO No caso em que sujeito A concordou com o sujeito B, mas ambos sem argumento operatório, o experimentador fez questões com vistas a provocar o conflito. Quando o sujeito A discordou do sujeito B, sem argumento operatório, ou o sujeito A discordou do sujeito B e um deles apresentou argumento operatório, o experimentador solicitou um acordo da dupla e, só depois, colocou a situação de conflito, a menos que a dupla apresentasse a conduta a seguir descrita. No caso em que o sujeito A concordou com o sujeito B e ambos com argumentos operatórios, mesmo que diferentes, continuou-se a intervenção, promovendo-se uma nova transformação ou o encerramento da sessão no caso de ser a última. Exemplo que pergunta por inversão para produzir conflito: “Se eu desentortasse esta ‘estrada’ (apontando para a “estrada” modificada), deixando do jeito que estava antes, elas vão ficar do mesmo comprimento? Por quê?”. Exemplo que pergunta por identidade para produzir conflito: “Por que esta ‘estrada’ ficou mais comprida se as duas tinham o mesmo comprimento no início?”. As sessões de intervenção tiveram duração aproximada de trinta minutos cada uma e foram ministradas em dias consecutivos, com início um dia após o pré-teste. Cada sessão compreendeu sete situações experimentais e, a partir da segunda situação, foram introduzidas seis situações de conflito, na seguinte seqüência: dois por identidade, dois por inversão, um por identidade e um por inversão. Todas as respostas foram registradas. 2.5) CRITÉRIOS PARA CLASSIFICAÇÃO
DE DOMINÂNCIA-COMPLACÊNCIA As respostas fornecidas pelos sujeitos em cada uma das sessões foram categorizadas, mantendo-se a seqüência de sua ocorrência. Considerou-se que houve dominância quando o segundo sujeito forneceu uma resposta da mesma categoria daquela fornecida pelo primeiro sujeito por duas vezes seguidas; e quando se alternavam na adoção de respostas de mesma categoria, foi considerado equilíbrio. Com base nesse resultado, averiguou-se a freqüência para dominância e equilíbrio em cada dupla, por sessão. Quando apenas uma criança dominou toda a sessão, considerou-se que houve pureza de dominância; quando houve alternância na sessão toda, considerou-se que houve equilíbrio; e quando ora um dominava mais, ora outro, considerou-se que houve tendência à dominância. RESULTADOS TABELA 1. FREQÜÊNCIA DAS TENDÊNCIAS DE DOMINÂNCIA EM CADA UMA DAS SESSÕES POR DUPLA Esses dados parecem sugerir que, conforme as duplas vão interagindo, a dominância pura vai se amenizando, facilitando a interpretação de que as crianças tenderam a negociar o certo e o errado, apesar de uma delas sempre mostrar maior dominância, já que os casos de equilíbrio entre as trocas de dominância, considerando toda a sessão, foram poucos. Além disso, outro fato a ser comentado trata da constância do dominante na dupla, pois as crianças com pureza de dominância na primeira sessão não a apresentaram nas outras sessões, e a dupla que a apresentou na segunda manteve-a na terceira sessão. Ao todo foram 75 situações observadas em cada sessão para averiguar a dominância e o equilíbrio. Na primeira sessão, foram observadas dez manifestações de equilíbrio; na segunda, 14; e na terceira, 20. Esses dados sugerem que, conforme foram transcorrendo as interações, aumentaram as trocas de poder entre as crianças e, acrescido da pouca freqüência de dominância pura, facilitou a possibilidade de se considerar muito mais a tendência a dominar do que a dominância pura, diferentemente do que vem sendo feito nas pesquisas. Em face desse dado, para se ter um indicador da manifestação da dominância-complacência no conjunto das sessões, cada sujeito foi classificado três vezes (uma em cada sessão), com base na dominância (3), equilíbrio (2) ou complacência (1), sendo que as classificações de dominância e complacência foram consideradas presentes quando ocorreram em mais de 60% das interações. Valendo-se desse critério, o sujeito foi classificado em um dos cinco níveis de dominância-complacência em razão de todo o processo de intervenção, a saber: complacência, quando teve 1,0 nas três sessões; tendência à complacência, quando foi complacente em duas sessões e, na outra, houve um equilíbrio ou ele dominou; equilíbrio, se teve a pontuação 2 em todas as sessões; tendência à dominância, quando o sujeito teve 3 em duas sessões, sendo que em uma houve equilíbrio ou complacência; dominância, quando o sujeito teve 3 nas três sessões. Com base nessa nova informação e analisando-se o conjunto das sessões por meio da tendência de domínio de cada sujeito, observou-se que, dos 32 sujeitos que participaram da intervenção, apenas seis dominaram e outros seis foram complacentes em todas as sessões. Dos vinte sujeitos restantes, dez foram quase complacentes e outros dez foram quase dominantes. Verificou-se, também, que não houve casos de equilíbrio entre dominância e submissão em razão das três sessões conjuntamente, apesar de ter havido alguns casos de equilíbrio quando a análise considerou apenas uma sessão. A prova do quiquadrado, para quatro grupos, acusou um ÷ 2 = 2,00, gl= 3, e p= 0,572, indicando que essas diferenças podem ser atribuídas ao acaso. Concluiu-se que o número de sujeitos em cada um dos níveis é semelhante, facilitando a interpretação de que a classificação com base em uma única sessão fornece uma informação um pouco diferente do que quando o sujeito está submetido a interações continuadas. Isso porque esse dado de conjunto reforçou a aceitação de que, no desenrolar das interações, a maior parte das crianças assumiram papéis de dominância e complacência e muito poucas permaneceram apenas com um ou outro tipo de conduta. Outra análise feita referiu-se aos tipos e ao número de argumentos operatórios dados pelos sujeitos durante a intervenção, com vistas a averiguar se teriam alguma relação com o nível de dominância nas três sessões de intervenção. De fato, estava-se interessado em saber se a dominância se deu por uma lógica do próprio argumento usado pela criança. Se assim o fosse, os sujeitos com dominância deveriam utilizar argumentos operatórios, ao contrário dos sujeitos complacentes. O primeiro comentário a fazer é que oito sujeitos não forneceram qualquer argumento operatório durante toda a intervenção, sendo um sujeito classificado como complacente e outro dominante, dois com tendência à complacência e quatro com tendência à dominância. A Tabela 2 indica a freqüência com que os sujeitos forneceram os argumentos operatórios por sessão em relação ao nível de dominância. TABELA 2. TIPOS DE DOMINÂNCIA E ARGUMENTOS OPERATÓRIOS POR SESSÃO EM FREQÜÊNCIA E MÉDIA (ENTRE PARÊNTESES). Pela Tabela 2, observou-se que, apesar do aumento na quantidade de argumentos operatórios conforme avançou a intervenção, a maior diferença foi registrada entre a primeira e a segunda sessão, pois o aumento foi mais de duas vezes, e da segunda para a terceira não chegou a 40%. Na primeira sessão a utilização de argumentos operatórios por sujeito variou de 0 a 5 (média de 0,69 e desvio padrão e de 1,45); na segunda sessão variou de 0 a 6 (média de 1,50 e desvio padrão e de 1,92); na terceira sessão, por sua vez, variou de 0 a 9 (média de 2,3 e desvio padrão de 2,51); e, finalmente, no geral a utilização de argumentos operatórios por sujeito variou de 0 a 19 (média de 4,22 e desvio padrão de 5,18). Essas diferenças não puderam ser atribuídas ao acaso pela prova de Friedman (÷2= 14,738, gl= 2, p=0,001), facilitando a interpretação de que, conforme avançou o processo de aprendizagem, aumentou a utilização de argumentos operatórios. Um fato bastante nítido foi que, na primeira sessão, a dominância não ocorreu por argumentos operatórios, pois essas crianças não forneceram qualquer argumento operatório, enquanto que os complacentes ofereceram dois deles. Os sujeitos com mais argumentos operatórios na primeira sessão foram os com tendência à complacência e tendência à dominância cujas médias foram superiores à média geral da primeira sessão. Esse dado sugeriu que não apenas os sujeitos dominantes conseguiram a dominação por um outro elemento da interação que não a lógica de sua argumentação, como também que, apesar de sujeitos complacentes fornecerem argumentos lógicos, isso não foi importante a ponto de sua opinião ser levada em consideração. Na segunda sessão, entretanto, observou-se uma inversão, já que nos sujeitos com complacência ou dominância as médias de argumentos foram maiores do que nos sujeitos com tendência à complacência e à dominância, e também do que a média geral. Outro fato constatado é que os sujeitos dominantes tiveram uma média levemente superior do que os sujeitos complacentes. A expectativa de que os sujeitos dominantes o seriam pela lógica de sua argumentação foi parcialmente comprovada nessa sessão, já que os sujeitos complacentes apresentaram os argumentos operatórios usados pelos sujeitos dominantes. Na terceira sessão, as tendências observadas foram muito semelhantes à da segunda sessão, apesar do aumento do número de argumentos operatórios. Em relação ao total de argumentos, independentemente dos tipos de dominância, a tendência é a mesma das duas últimas sessões. Apesar dessas mudanças observadas, pela prova de Kruskal Wallis constatou-se que elas podem ser atribuídas ao acaso (÷2 = 3,237, gl = 3 e p = 0,356; ÷2 = 2,734, gl = 3 e p = 0,434; ÷ 2 = 2,507, gl = 3 e p= de 0, 683; ÷2 = 1,496, gl = 3 p = 0,683; respectivamente). Quando se considerou que cada sujeito foi o primeiro a dar seu argumento para explicar a transformação em três das seis situações de conflito e que ele teve duas chances de mantê-lo em cada situação, verificou-se que cada criança poderia utilizar seis argumentos em cada sessão. Havendo seis crianças consideradas dominantes poderiam ocorrer 36 argumentos em uma mesma sessão, por sujeito, e, no entanto, o máximo de argumentos operatórios em uma sessão foi de 16 para todos os seis sujeitos. A possibilidade de atribuição das diferenças ao acaso somada à pouca quantidade de argumentos operatórios possibilitaram a interpretação de que a dominância e a complacência não necessariamente ocorreram pela argumentação lógica utilizada durante as interações. CONCLUSÕES Quando foram analisadas as situações de interação continuada, percebeu-se que a forma relacional pura de resolução dos conflitos, que caracterizaria a complacência, foi pouco freqüente. A tendência à dominância representaria a forma mais próxima da postura sócio-cognitiva de lidar com os conflitos e sua freqüência foi alta, sugerindo a necessidade de utilização de outros critérios para representar melhor o que aconteceu em termos de dominância-complacência na interação ocorrida. Vários pesquisadores (SILVERMAN; GEIRINGER, 1973; MILLER; BROWNELL, 1975; DOISE; MUGNY, 1983; RUSSEL, 1981; AMES; MURRAY, 1982; BEARINSON, 1986; AZMITIA, 1988; CLERMONT; NICOLET, 1988; MUGNY; PÉRZ, 1988; entre outros) defenderam que os sujeitos lidam com os conflitos sócio-cognitivos de duas maneiras, o relacional e o sócio-cognitivo. Entretanto, os dados desta pesquisa indicaram que a interação entre pares foi um pouco mais complexa e o observável não foi tão nítido quanto se supõe e como tem sido utilizado nessas pesquisas. A freqüência com que a dominância e a complacência apareceu neste estudo contrastou com os resultados encontrados nos trabalhos de Silverman e Geiringer (1973) e de Russell, Mills e Reiff-Musgrove (1990), pois o número de sujeitos totalmente dominantes e totalmente complacentes foi proporcionalmente baixo em relação ao encontrado nos trabalhos realizados. Lidar com os conflitos de forma relacional significaria que o sujeito estaria se esquivando de confrontar suas respostas e seus pontos de vista. O comportamento de complacência insere-se nesse primeiro modo de trabalhar com os conflitos. No entanto, os sujeitos totalmente complacentes submeteram-se às respostas dadas pelos totalmente dominantes, respondendo e enfrentando o conflito de modo relacional. Logo, na interação, os sujeitos dominantes puros (parceiros dos complacentes puros) também resolveram a situação de conflito de modo relacional, com a diferença de que não houve a esquiva do confronto, pois não houve confronto nem negociação de acordo para os argumentos. Isso significaria que, no âmbito do sistema cognitivo, os dominantes puros funcionariam de forma diferente do que os complacentes puros, mas tornou-se difícil defender que os dominantes não atuaram de forma relacional, tanto quanto os complacentes. Ao se observar o papel da dominância na interação social, neste experimento de aprendizagem, a resposta esperada pelo experimentador foi de argumentos operatórios, pois se tratava de uma prova de conservação. É fato que houve um aumento dos argumentos operatórios conforme se avançava na intervenção, mas é fato também que os diferentes tipos de dominância não se diferenciaram na quantidade de argumentos operatórios. Percebeu-se que muitos dominaram dando respostas incorretas (ou seja, não operatórias), ou submeteram-se a uma resposta incorreta, apesar de esse tipo de resposta servir como um indicador da não-superação cognitiva da perturbação por parte dos sujeitos. Assim, pôde-se inferir que o processo de socialização e a manifestação da troca de poder estariam ocorrendo, senão no âmbito da construção do conhecimento, pelo menos no âmbito das relações sociais de poder em situação de confronto de opiniões e negociação de uma única resposta. Teoricamente, o conflito sócio-cognitivo procura fazer com que o sujeito busque outra explicação para a situação, tornando a explicação anteriormente fornecida pelo sujeito não mais suficiente para a manutenção do equilíbrio de seu sistema cognitivo. Apesar disso, os resultados mostraram que o conflito sócio-cognitivo não foi totalmente eficaz para acabar com a incidência de comportamentos exclusivamente relacionais como a complacência. Mas, quando estes ocorreram dentro de um processo de interação continuada, como neste estudo, resultaram ser bem menos freqüente, facilitando a interpretação de que o processo de socialização e a manifestação da troca de poder foram possibilitados. A complacência – apontada por alguns pesquisadores como uma das causas do pouco aproveitamento dos sujeitos nas inttrações sociais, e, em decorrência, do pouco aproveitamento dos sujeitos em trabalhos de grupo – não pareceu ser o problema maior, pois houve complacência e dominância tanto com os argumentos lógicos como sem eles, indicando que nas relações entre pares outras variáveis estariam envolvidas. Apesar disso, não se pôde negar o aumento significativo de argumentos operatórios conforme transcorriam as sessões, indicativo de uma substituição de argumentos não-lógicos por argumentos lógicos, o que, em última análise, facilitou a interpretação de que o trabalho em grupo não poderia ser menosprezado para a aprendizagem, pois nessas trocas interindividuais pôde-se observar descentração argumentativa dos sujeitos. Contudo, não ficou evidenciado que esse fenômeno tivesse passado pelas relações de dominância e complacência da relação entre os pares.
NOTAS ABSTRACT KEYWORDS Recebido em: 04/07/2002 |