ARTIGO 4


ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO DO SOFRIMENTO PSÍQUICO NO TRABALHO BANCÁRIO
STRATEGIES TO COPING WITH PSYCHIC SUFFERING AT BANK EMPLOYEE

Ana Magnólia Mendes*
Viviane Paz Costa**
Paloma Castro da Rocha Barros***


RESUMO
Este artigo investiga as estratégias defensivas e de mobilização subjetiva de enfrentamento do sofrimento psíquico no trabalho bancário, com base no modelo teórico-metodológico da Psicodinâmica do Trabalho. A pesquisa foi realizada em três agências de bancos públicos localizados no Distrito Federal. Participaram da pesquisa 20 bancários, distribuídos em três cargos: auxiliar administrativo, caixa e analista de processos. Realizaram-se quatro entrevistas semi-estruturadas coletivas, com quatro grupos de trabalhadores, sendo cinco auxiliares, dois grupos com cinco caixas cada um e um grupo com cinco analistas. As entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas pela técnica da análise de conteúdo. Os resultados apontam para quatro categorias: descontentamento com o trabalho, estratégias para enfrentar o estresse, insatisfação com a empresa e relacionamentos profissionais, todas relacionadas com o sofrimento. Para enfrentar tal sofrimento, são utilizadas defesas de negação e controle por meio de mecanismos de racionalização. Futuras pesquisas devem ser realizadas para confirmar esses resultados.

PALAVRAS-CHAVE:
Sofrimento psíquico; Estratégias de enfrentamento; Trabalho bancário.



INTRODUÇÃO

O prazer-sofrimento no trabalho vem sendo estudado pela psicodinâmica do trabalho por Dejours (1994, 1999a, 1999b, 2000); Mendes e Abrahão (1996), Mendes (1996), Mendes e Tamayo (2001), Ferreira e Mendes (2001) e Morrone (2001) como um constructo dialético marcado pela dinâmica de evitação do sofrimento e de busca de prazer. Essa dinâmica é resultado do enfrentamento do sofrimento, seja pelo uso de estratégias defensivas, que visam a negação ou o controle do sofrimento, seja pelas estratégias de mobilização coletiva, que ajudam na resignificação do sofrimento e visam transformar as situações geradoras de sofrimento em situações geradoras de prazer. O fracasso na utilização dessas estratégias pode levar ao adoecimento do indivíduo no trabalho.

O sofrimento é definido como uma vivência individual ou coletiva, freqüente e permanente, muitas vezes inconsciente, de experiências dolorosas como angústia, medo e insegurança provenientes do conflito entre as necessidades de gratificação do binômio corpo-mente e a restrição de satisfazê-las, pelas imposições das situações de trabalho. Ocupa posição central na abordagem da psicodinâmica do trabalho, visto que é inevitável em função das contradições e pressões do sistema de produção vigente. Por um lado, o trabalho pode exercer efeitos poderosos sobre o sofrimento psíquico, levando o trabalhador progressivamente a alterações psicossomáticas e psíquicas; por outro, pode contribuir para subverter o sofrimento, resignificando-o e transformando as situações que o geraram.

Desse modo, a vivência de sofrimento instala-se quando a realidade não oferece as possibilidades de gratificação das necessidades dos trabalhadores. É no contexto de trabalho em termos de organização, condições e relações sociais que se encontram as origens deste sofrer, que não permanece e constitui um mobilizador para a busca de prazer. Nesse sentido, o sofrimento no trabalho não é patológico, possui um papel no aumento da resistência e no fortalecimento da identidade pessoal, significando, assim, que ele pode ser uma possibilidade de fazer o trabalhador encontrar estratégias para enfrentá-lo de forma criativa e mudar as situações que o provocaram.

Tal mobilização depende da margem de liberdade oferecida ao trabalhador para ajustar suas necessidades pessoais às situações de trabalho. É necessário um espaço para discussão, participação, cooperação e solidariedade dos trabalhadores, especialmente uma crença nas mudanças e nas suas contribuições efetivas para as modificações das situações cotidianas do trabalho, geradoras de sofrimento.

As estratégias defensivas no trabalho podem ser individuais ou coletivas. Dejours e col. (1994) definem as estratégias defensivas coletivas como o mecanismo pelo qual o trabalhador busca modificar, transformar e minimizar sua percepção da realidade que o faz sofrer. Esse processo é estritamente mental, pois geralmente não modifica a realidade de pressão patogênica imposta pela organização do trabalho.

Para os autores, apesar dos mecanismos de defesas individuais coexistirem com os coletivos, as estratégias defensivas utilizadas pelos trabalhadores são, na sua maioria, coletivas e não individuais. O grupo compartilha o sofrimento e encontra conjuntamente soluções para lidar com estas situações. Essas estratégias coletivas diferenciam-se das individuais à medida que desaparecem, quando afastada a situação que gera sofrimento.

Tais estratégias para enfrentar as pressões psicológicas do trabalho podem tornar-se um objetivo em si mesmo, o que leva o trabalhador a um processo de alienação, bloqueando qualquer tentativa de transformação da realidade, estabilizando-se no desencorajamento e na resignação diante de uma situação que só gera sofrimento.

Ao pesquisar profissionais em exercício de função de liderança em uma instituição bancária, Vézina e Saint-Arnaud (1996) observaram que eles desenvolvem uma imagem própria da realidade de trabalho diferente daquela retratada pelos subordinados, que é fundamentada prioritariamente nas metas de produção. A tarefa destes líderes consiste prioritariamente no arbítrio sobre a defasagem entre o trabalho prescrito pela direção da organização a partir das normas de produção e a realidade de trabalho vivenciada pelos subordinados.

Neste sentido, estes profissionais adotam como estratégias defensivas a racionalização ou alienação sobre as decisões, a individualização das suas equipes e do seu trabalho em relação aos seus superiores e a não-abordagem, com os superiores, da inexecutabilidade da realidade de trabalho.

Para fins desta pesquisa, assume-se a definição de defesa como modos de agir individuais ou coletivos manifestos por meio de mecanismos de negação e/ou controle do contexto de trabalho causador de conflitos e contradições que geram custo humano e sofrimento psíquico. Estes mecanismos caracterizam-se pela negação, que representa a negação do sofrimento alheio e do seu próprio sofrimento quando a expressão desse sofrimento é constrangedora ou quando ocasiona uma dificuldade subjetiva; e pelo excessivo controle, que representa a minimização dos sentimentos de ansiedade, medo e insegurança, na maioria das vezes negado pelo coletivo do trabalho.

Outra estratégia para enfrentar o sofrimento é a mobilização coletiva, que permite a transformação das situações geradoras de sofrimento em situações geradoras de prazer. Essa estratégia tem fundamento teórico nos estudos de Dejours (1994, 1999a, 1999b, 2000) sobre mobilização subjetiva, definida como um processo caracterizado pelo uso dos recursos psicológicos do trabalhador e pelo espaço público de discussões sobre o trabalho. A utilização desses recursos depende da dinâmica contribuição-retribuição simbólica que pressupõe o reconhecimento da competência do trabalhador pelos seus pares e pela hierarquia.

Segundo o autor, o processo de mobilização subjetiva não é prescrito, é vivenciado de forma particular por cada trabalhador. Vale ressaltar que esta mobilização é fundamental no processo de gestão da organização do trabalho, à medida que evita o uso de estratégias defensivas ou de descompensação psicopatológica.

A mobilização subjetiva permite a transformação do sofrimento a partir de uma operação simbólica: o resgate do sentido do trabalho. Este sentido depende de um outro: do coletivo de trabalho. O coletivo é construído com base em regras que não são apenas técnicas, o que é denominado de coletivo de regras. Tais regras organizam as relações entre as pessoas e têm uma dimensão ética que remete à noção do que é justo ou injusto, não constituindo normas ou esquemas de regulação. Elas reportam-se também sobre os valores, pelo julgamento da estética e da beleza (qualidade) do trabalho.

Esse coletivo remete à reafirmação da própria identidade do trabalhador, diferenciando-se, aqui, a identidade da aparência. A identidade é o que nos distingue dos outros, é o estilo pessoal na relação com a tarefa reconhecido pelo outro. A aparência é o reconhecimento pelas qualidades que o trabalhador tem em comum com os outros, é o julgamento sobre o fazer e o agir.

Além destes aspectos, Dejours (1994) enfatiza dois elementos para a mobilização subjetiva: a inteligência astuciosa e a cooperação enquanto condições para o coletivo de trabalho. A inteligência ajuda o trabalhador a resistir ao que é prescrito. Com isso, ele adquire uma invenção própria e usa a sua capacidade de imaginação e desenvolve um saber fazer particular, mesmo que não domine a tecnologia.

Para que se estabeleça essa cooperação, é necessário haver a discussão das competências dentro de um registro ético e de comunicação. Esse espaço decorre de uma conquista dos trabalhadores e passa pela formulação de uma consciência de classe, mas também pode ser facilitado pela empresa.

Todas as reflexões sobre o processo de mobilização subjetiva permitem a delimitação conceitual operativa do que se denominam estratégias de mobilização coletivas, que enfatizam os aspectos socioculturais e essencialmente coletivos envolvidos na mobilização subjetiva, em particular a cooperação, deixando apenas como pano de fundo as questões de personalidade e cognitivas, que possuem características mais individuais. Assim, a mobilização coletiva só se configura no coletivo construído pelos trabalhadores, diferentemente das defesas, que podem ser individuais ou coletivas. Esse caráter do coletivo presente na mobilização é o que possibilita as mudanças das situações concretas de trabalho.

Estas propostas teóricas levam a concluir que o sofrimento pode ser enfrentado por estratégias defensivas ou de mobilização coletiva. Esses tipos de enfrentamento são fundamentais para a saúde psíquica dos trabalhadores, especialmente o uso de estratégias de mobilização coletiva, que inclui os mecanismos que permitem a construção de novas formas de gestão do contexto de trabalho, constituído pela organização e pelas condições e relações de trabalho.

Nesse contexto, pretende-se investigar as estratégias de enfrentamento do sofrimento utilizadas pelos bancários, tendo em vista o processo de reestruturação pelo qual passam os bancos brasileiros, que podem exercer influência na organização e nas condições e relações sociais de trabalho, implicando em vivências de sofrimento. Essa reestruturação é caracterizada pelos estudos de Segnini (1999), que visam demonstrar quais elementos desse contexto são responsáveis pelo sofrimento e, conseqüentemente, pelo tipo de estratégia usada para seu enfrentamento.

Segundo a autora, as mudanças no mercado financeiro intensificam a velocidade de circulação dos capitais, submetem os países à livre circulação de recursos e aumentam a instabilidade macroeconômica nos mercados. Dessa forma, a desregulamentação do sistema e as inovações no setor passaram a ser consideradas condições de sobrevivência para qualquer centro financeiro mundial.

No Brasil, assim como em outros países, o governo atua fortemente por meio de políticas econômicas e financeiras, adequando o sistema financeiro do país às características supracitadas. Essas políticas são consideradas necessárias para um processo de ajuste da economia nacional às exigências de uma nova ordem mundial caracterizadas por propostas neoliberais.

Desse modo, os bancos buscam adaptação, implementando estratégias de desenvolvimento. Essas estratégias direcionam-se sempre no mesmo sentido: a racionalização do trabalho pela minimização de custos e pela ampliação de serviços competitivos em um mercado também cada vez mais competitivo. Dada esta necessidade de reestruturação, três fenômenos sociais surgem nos bancos:

1) Intenso desemprego: em 1986, a categoria bancária no Brasil representava 1 milhão de trabalhadores; em 1996, 476 mil. A elevada taxa de desemprego no setor refere-se às diferentes políticas que objetivaram a redução de custos. Como conseqüência, destaca-se a eliminação e a fusão de postos de trabalho, o uso das inovações tecnológicas sem, contudo, haver alteração da jornada de trabalho dos que permanecem empregados. Nesse contexto de reestruturação produtiva, o emprego nos bancos deixa de ser caracterizado como provisório, que acaba por se transformar em definitivo, para se constituir em definitivamente provisório.

2) Precarização do trabalho e terceirização: intensificação do trabalho, jornadas mais longas, permanente incerteza em relação à permanência no emprego e salários inferiores caracterizam as práticas de gestão determinantes da precarização do serviço nos bancos. Por outro lado, nos processos de terceirização, o elevado desemprego no setor possibilita que bancários sejam contratados, em condições precárias, pelas terceirizadoras de serviços. Nestas, a jornada de trabalho é freqüentemente desrespeitada e mais longa em comparação aos bancos.

3) Intensificação do trabalho: nos bancários que permanecem empregados, observa-se a intensificação do trabalho, tanto pela fusão de postos de trabalho, como pelas exigências decorrentes de programas de gestão e pelo medo da perda do emprego. Esse medo constitui-se em um grande motivador.

Nesta perspectiva, levanta-se alguns questionamentos: 1) esses profissionais vivenciam mais prazer ou sofrimento no trabalho?; 2) como a organização e as condições e relações sociais de trabalho influenciam nessas vivências?; e 3) qual a natureza e características do sofrimento psíquico vivenciado e das estratégias de enfrentamento (defensivas ou de mobilização coletiva) desse sofrimento?. Para responder essas perguntas, apresenta-se a seguir a metodologia, os resultados, a discussão e as conclusões da pesquisa.

METODOLOGIA

2.1. PARTICIPANTES
A pesquisa foi realizada em três agências de bancos públicos brasileiros localizados no Distrito Federal. Participaram voluntariamente dessa pesquisa vinte bancários, distribuídos em três cargos: auxiliar administrativo, caixa e analista de processos. É imprescindível salientar que não é objeto deste estudo realizar análise dos dados com enfoque em variáveis demográficas, motivo pelo qual os dados demográficos não foram registrados. O foco de interesse centrou-se na fala coletiva e compartilhada dos participantes sobre a organização do trabalho, as vivências de prazer-sofrimento e as estratégias de enfrentamento do sofrimento.

2.2. INSTRUMENTOS
Realizaram-se quatro entrevistas coletivas semi-estruturadas, com quatro grupos de trabalhadores: um grupo com cinco auxiliares; dois grupos com cinco caixas cada um; e um grupo com cinco analistas. As entrevistas tiveram duração média de uma hora, sendo gravadas, transcritas e analisadas pela técnica da análise de conteúdo.

2.3. PROCEDIMENTOS
As entrevistas deste estudo foram conduzidas de acordo com o conteúdo verbal apresentado pelo trabalhador, com questões abertas referentes a temas previamente definidos: descrição do trabalho, sentimentos em relação ao trabalho, dificuldades encontradas, estratégias utilizadas para enfrentar tais situações e sentimentos negativos, e relacionamento com os outros profissionais.

O tema descrição do trabalho buscou identificar as rotinas e o processo de trabalho aos quais os funcionários estavam submetidos. Foram desenvolvidas perguntas em relação ao tipo de atividades realizadas e as condições sob as quais são executadas, à rotina no banco, ao processo decisório, ao fluxo de comunicação, à jornada de trabalho, aos procedimentos e instrumentos de trabalho.

A temática sobre os sentimentos no trabalho teve por objetivo levantar informações em relação às vivências de prazer e sofrimento. A partir de uma questão geral, na qual foi solicitado que o sujeito descrevesse seus sentimentos com relação ao trabalho, desde quando chegava até quando saía. Além da descrição dos sentimentos, também foram abordados exemplos de situações nas quais os sentimentos ocorriam, a freqüência e quais as características do trabalho relacionadas aos sentimentos relatados.

A questão sobre as dificuldades encontradas no trabalho visou levantar quais os tipos de dificuldades enfrentadas pelos funcionários do banco, assim como os caminhos adotados para administração e superação destas dificuldades, com objetivo de identificar as defesas e a mobilização coletiva.

O tema a respeito do relacionamento com os colegas de trabalho foi medido por questões que abordavam, dentre outros assuntos: o tipo de relação estabelecida entre eles, como estas relações se desenvolviam no dia-a-dia, a presença de regras e normas grupais, a transmissão das regras, a existência de reuniões administrativas ou encontros sociais, os comportamentos frente à chegada de um novo funcionário e à despedida de um outro já instalado.

2.4. ANÁLISE DOS DADOS
Em uma primeira etapa, cada entrevista foi analisada por, no mínimo, dois juizes, estudantes de graduação e pós-graduação do Curso de Psicologia da Universidade de Brasília, que, após leitura geral de cada entrevista e marcação das verbalizações que poderiam representar os temas, classificaram os temas em categorias. Os temas foram categorizados pelo critério de semelhança de significado semântico e lógico.

Na segunda etapa, o pesquisador agrupou, também por semelhança de significado semântico e lógico, as categorias resultantes das análises dos juízes de cada uma das entrevistas, fazendo surgir, assim, categorias-síntese para o grupo de trabalhadores entrevistados. Esses resultados são apresentados a seguir.

RESULTADOS
As análises das entrevistas coletivas resultam na elaboração de quatro categorias-síntese, que representam o conteúdo verbalizado pela maioria dos trabalhadores entrevistados. Assim, foram encontradas como categorias:

A) DESCONTENTAMENTO COM O TRABALHO
Os bancários sentem-se sobrecarregados, cansados e estressados com a quantidade de tarefas a serem cumpridas, em função da redução de quadro devido às demissões, do caráter mecânico e repetitivo das tarefas, da necessidade constante de atenção para não cometer erros, o que causa uma apreensão constante, desde a hora em que chegam até saírem do trabalho. Sentem-se desmotivados em função da falta de perspectiva de futuro e do desmoronamento do sonho de seguir uma carreira dentro do banco, por causa da possibilidade de privatização. Sentem-se pressionados em ter de cumprir a meta proposta, muitas vezes inatingível. Relatam problemas de lesão por esforço repetitivo (LER) e crises nervosas decorrentes do trabalho excessivo.

B) ESTRATÉGIAS PARA SUPERAÇÃO DO ESTRESSE
Os trabalhadores buscam alternativas fora do ambiente de trabalho para superar o estresse, melhorar as condições de trabalho e enfrentar a falta de perspectiva de futuro, tais como terapia, exercícios físicos, qualificação profissional e aperfeiçoamento das competências. Procuram, ainda, ignorar o que lhes causa sofrimento, por exemplo, as exigências dos clientes, pois priorizam o aspecto profissional, sob a justificativa de que "a corda sempre quebra no lado mais fraco". Além disso, usam o som do ambiente para ficar mais calmos e conseguir refletir um pouco mais, bem como buscam aceitar a realidade da empresa, já que não há o que fazer para mudá-la.

C) INSATISFAÇÃO COM A EMPRESA
Os funcionários indicam uma relação de desgaste com a empresa em função desta nada fazer para melhorar as condições de trabalho. A empresa não oferece acompanhamento psicológico e/ ou acompanhamento físico aos funcionários, a remuneração é baixa e há uma sobrecarga de atividades devido à automação, especialmente para os caixas, que se sentem marginalizados, inúteis, bem como não valorizados e sem oportunidades de crescimento. Eles verbalizam que “nasceram escravos e vão permanecer escravos”. Por outro lado, dizem receber reconhecimento da chefia, dos colegas e dos clientes, mas o reconhecimento da empresa é inexistente, de modo que se sentem por ela descartáveis, além de inseguros no emprego, pois temem ser demitidos.

D) RELACIONAMENTOS PROFISSIONAIS
Os bancários verbalizam que a relação com os colegas e com a chefia é boa, caracterizada pelo livre acesso e pelos encontros fora do ambiente de trabalho. Consideram o grupo muito unido, existindo amizade entre seus membros, o que ajuda a lidar com a pressão que sofrem ao colaborar um com o outro sempre que é preciso, e havendo liberdade para se falar durante reuniões a respeito de problemas vividos no ambiente de trabalho.

Com base nestas categorias, observa-se que os bancários apresentam uma vivência de sofrimento no trabalho, sendo esse sentimento oriundo, sobretudo, da insegurança com relação ao emprego, da falta de perspectiva de futuro e da escassez de funcionários, o que torna o trabalho sobrecarregado. Todas estas características são condizentes com a literatura, que aponta a intensificação do trabalho, o desemprego e a insegurança do trabalho como resultado do processo de reestruturação dos bancos brasileiros (SEGNINI, 1999).

Para enfrentar esse sofrimento, os trabalhadores pesquisados parecem usar o mecanismo de defesa da racionalização, como pode ser observado na categoria estratégias de enfrentamento do estresse, que buscam o controle do sofrimento vivenciado. Essa racionalização é um mecanismo no qual se atribuem explicações coerentes do ponto de vista lógico, ou aceitáveis do ponto de vista moral, para uma atitude, ação, idéia ou um sentimento (LAPLANCHE; PONTALIS, 1982). Portanto, o fato de utilizar este mecanismo de defesa indica que essa categoria de profissionais permanece imóvel diante das dificuldades, procurando não modificar o que considera estar errado.

Para os bancários, há uma justificativa coerente para tal fato, ao afirmarem não haver o que fazer, já que o banco não oferece espaço para tal modificação, além de ser impossível lutar contra o poder político que controla essa empresa. Assim, verifica-se que a passividade dos atos é justificada pela uso da lógica.

O fato de buscarem atividades físicas e de lazer fora do ambiente de trabalho pode ser positivo para minimizar o sofrimento representado no estresse, embora ainda expresse uma estratégia de compensação mais próxima da defesa. Esta estratégia evita contato com o sofrimento advindo das situações de trabalho, não se buscando mudanças das causas do sofrimento, mas apenas formas de controlá-lo.

Com relação à mobilização coletiva, constata-se que esses profissionais não a utilizam; apesar de verbalizarem a cooperação entre os colegas, este não parece ser o meio utilizado para transformar o sofrimento. Pode-se justificar tal fato devido à empresa não proporcionar um espaço que possibilite a discussão, participação e cooperação dos funcionários, bem como pelo fato de não possuírem tempo disponível para modificar algo no trabalho, devido à sobrecarga de tarefas.

Desse modo, a relação com os colegas funciona como um suporte social para controlar o sofrimento, mais do que uma possibilidade de gestão coletiva da organização do trabalho, ou seja, a realidade de trabalho é a mesma, embora mais facilmente suportável devido a essa relação com os colegas. Outro elemento relacionado ao sofrimento é a falta de reconhecimento e de valorização por parte da empresa, ocasionando uma desmotivação e insatisfação pelo fato de a mesma não melhorar as condições de trabalho.

DISCUSSÃO

Na análise das categorias descritas acima, pode-se identificar que os bancários têm a sobrecarga de trabalho como a principal causadora do sofrimento. Essa sobrecarga é oriunda da diminuição do quadro de funcionários e do processo de automação; como conseqüência disso, eles sentem estresse e cansaço físico. Tal sobrecarga é confirmada na literatura (SEGNINI, 1999), que apresenta a intensificação do trabalho como característica atualmente presente nos bancos.

Como forma de enfrentar essa sobrecarga, os bancários fazem uso de alternativas externas ao ambiente de trabalho, tanto através de meios psiquicamente saudáveis de enfrentamento, como atividades físicas e terapia, quanto através de comportamentos de fuga ao sofrimento, ignorando-o por meio de justificativas lógicas e coerentes. Assim, essa forma de enfrentar o sofrimento mostra a utilização pelos bancários do mecanismo de defesa da racionalização.

A utilização desse mecanismo de defesa já era esperada, visto que a racionalização é uma defesa secundária, que pode ser consciente e coletiva. Do ponto de vista de Mendes (1996), a defesa secundária, relacionada ao trabalho, tem como objetivo a adaptação às condições dolorosas das situações adversas. Portanto, a racionalização é uma das defesas mais utilizadas e apropriadas para o enfrentamento do sofrimento gerado no ambiente de trabalho.

Com relação à mobilização coletiva, constata-se que os bancários não a utilizam, podendo-se observar nas suas verbalizações que não fazem no trabalho o uso de meios para transformar as situações geradoras de sofrimento. O relacionamento com os colegas parece favorecer uma certa dose de mobilização coletiva, pois não fica claro, com base nos dados, se essa relação é de fato um coletivo de trabalho, podendo ser uma forma de suporte social que ajuda a enfrentar o sofrimento, mas não tem força para mobilizar mudanças na organização do trabalho.

Estes resultados confirmam algumas das pesquisas realizadas por Dejours (1994, 1999a, 1999b, 2000), Jayet (1994), Vézinab e Saint-Arnaud (1996), Mendes (1996, 1999), Morrone (2001), Pereira (2003), Antloga (2003) e Resende (2003). Vale ressaltar que os comportamentos defensivos variam para cada categoria profissional, apesar de os mecanismos psicológicos que os perpassam serem os mesmos.

Nesta direção, subjazem ao uso de atitudes e comportamentos defensivos os mecanismos de racionalização, projeção, negação e idealização. Contudo, a forma de manifestação desses mecanismos é particular a cada contexto de trabalho, em função da organização do trabalho de determinadas categorias profissionais.

Sendo assim, a organização, as condições e as relações de trabalho assumem papéis fundamentais para a natureza, a intensidade e as características das estratégias de enfrentamento do sofrimento. A margem de liberdade oferecida ao trabalhador e o reconhecimento podem ajudar na formação de compromisso e no jogo envolvidos pela subjetividade no trabalho. Isto não implica ausência de normas, regras e controle, mas significa que deve haver um espaço para as idiossincrasias dos modos de trabalhar e para expressão da autenticidade individual, encontrando-se a raiz do sofrimento na rigidez, padronização e homogeinização das condutas do fazer.

Deve-se ainda destacar a importância da formação do coletivo para a elaboração e superação do sofrimento relacionado ao contexto de trabalho, elaboração esta que, muitas vezes, sucumbe às estratégias individuais. Nem sempre os trabalhadores proativos e assertivos conseguem enfrentar o sofrimento advindo das relações de trabalho, caracterizadas pela socialização, interação e compartilhamento da relação com o outro. Nesse sentido, o sofrimento é vivido de modo particular, mas se manifesta de forma coletiva, em função de a categoria profissional estar submetida às mesmas condições e organização do trabalho.

Nesta perspectiva, as estratégias de enfrentamento do sofrimento geralmente são coletivas e particulares a um contexto, no qual determinada categoria profissional está inserida. Elas podem assumir papel positivo de proteção do ego, podem ser patológicas quando cristalizadas e repetitivas, e podem ser criativas, quando relacionadas à mobilização coletiva. Essas estratégias são dinâmicas, ora defensivas, ora criativas, mas sempre na direção de manter o equilíbrio psíquico, sendo o fracasso na sua utilização a razão para o adoecimento no trabalho.

CONCLUSÕES

Com base nos resultados, identifica-se o predomínio de estratégias defensivas no trabalho bancário para suportar o sofrimento em detrimento das estratégias de enfrentamento de mobilização. Essas defesas têm papel de proteção do ego e parecem atuantes na evitação do adoecimento, apesar do relato de distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) e crises nervosas, o que indica que alguns trabalhadores estão adoecendo por não conseguirem enfrentar o sofrimento, nem de forma individual, nem coletiva.

Esta dificuldade de enfrentar esse sofrimento possivelmente encontra-se atrelada à organização do trabalho, caracterizada pelas atividades desenvolvidas, pelas normas, regras e formas de controle e pelas relações socioprofissionais. Isto indica uma variabilidade para essa categoria, que, a depender do contexto no qual está inserida, pode ter outras alternativas para enfrentar o sofrimento de uma forma mais saudável.

Evidentemente, o suporte dos colegas e das chefias é fundamental para esse enfrentamento, mas pode não ser suficiente para uma mobilização coletiva, o que significa a permanência das estratégias defensivas, que não têm um papel mobilizador, por mais que ajudem a manter o equilíbrio psíquico, no sentido de promover recursos para a superação do sofrimento. O sofrimento, então, não é resignificado pela fala coletiva sobre a organização do trabalho, pois não ocorre uma elaboração e superação desse sofrimento, que é apenas afastado e/ou minimizado.

Estas considerações contribuem para o estudo da saúde psíquica na abordagem da Psicodinâmica do Trabalho, ao ampliar a investigação das estratégias de enfrentamento do sofrimento e confirmar as estratégias defensivas utilizadas por essa categoria profissional constatadas em pesquisas anteriores. No entanto, existem limitações que devem ser superadas em futuras pesquisas, como o maior número de trabalhadores envolvidos, especialmente desenvolvendo as mesmas atividades; um aprofundamento das características da organização do trabalho; e uma sistematização dos comportamentos considerados defensivos e de mobilização subjetiva. Essas lacunas devem ser preenchidas em outro estudos para que possam ser construídos princípios gerais para interpretar e explicar as estratégias de enfrentamento do sofrimento no trabalho e, conseqüentemente, o processo saúde e adoecimento desses trabalhadores.

NOTAS
* Doutora em Psicologia Social e do Trabalho pela UNB e Professora do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.
** Graduanda em Psicologia na Univesidade de Brasília
*** Psicóloga Organizacional e Professora nos Departamentos de Administração e Hotelaria da União Pioneira de Integração Social (UPIS).

 

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ABSTRACT
Defensive and collective mobilization strategies to coping suffering at bank employee are investigated, using psychodynamic of work as theoretic-methodological model. The research was undertaken at three agencies of public banks localized in DF. Twenty workers participated. They work as bureaucratic services, cash and system annalist. Four semi-structured interviews were accomplished with fours groups that have five bureaucratic workers, ten cash each and five system annalist. The interviews were tape, transcribe and analysis by content analysis. The results indicate four categories: discontent with work, cooping to stress, no satisfaction with the enterprise and professional relationship, all of them related with suffering. Defensive strategies are used as negation and control to confront this suffering, by using of rationalization mechanism. Future research will be undertaken to confirm this data.

KEYWORDS:
Suffering; Strategies to coping; Bank employee.

Recebido em: 17/03/2003
Aceito para publicação em: 29/07/2003
Endereços:
Ana Magnólia Mendes - : anamag@unb.br
Viviane Paz Costa: vivi_pc@yahoo.com.br
Paloma Castro da Rocha Barros: palomacastrobarros@hotmail.com