COMUNICAÇÃO DE PESQUISA


QUE LUGAR É ESSE? SOBRE PSICÓLOGOS NA VARA DE FAMÍLIA

Leila Maria Torraca de Brito*
Andréa Fabíola de Miranda Nery**
Juliane Dominoni Gomes***
Maria Luíza de Moura Carvalho****
Raphael Fischer Peçanha*****

Objetiva-se, aqui, apresentar alguns resultados da pesquisa Separação, Divórcio e Guarda de Filhos – questões psicossociais implicadas no Direito de Família, desenvolvida junto ao Instituto de Psicologia da UERJ, de 1999 a 2002. Por meio de dados colhidos em pesquisa qualitativa, procurou-se avaliar como o Direito de Família Brasileiro, através dos operadores jurídicos, prevê o exercício do dever parental de educação e cuidado dos filhos após a separação conjugal, e como pais e mães separados dividem as tarefas educativas após o rompimento matrimonial. Em 1998, realizou-se o primeiro concurso para o cargo de psicólogo junto ao Poder Judiciário do estado do Rio de Janeiro, com o conseqüente encaminhamento de alguns profissionais para atuação junto às Varas de Família. Assim sendo, buscou-se avaliar também o ingresso desses profissionais na área – suas condições de trabalho, dificuldades e atribuições. Para fins deste artigo, optamos por destacar a situação dos psicólogos junto a essas Varas, a partir da compreensão de que os denominados trabalhadores sociais são os atores das políticas públicas, como define Gillot (1998, p.16).

PONTUANDO AS REFERÊNCIAS

O período de instalação dos Serviços de Psicologia Jurídica é apontado por alguns profissionais (Neto et al., 1992; Ribeiro, 1999) como um momento crítico, com implicações na direção do trabalho a ser empreendido posteriormente. Gonzalez (1993, p.65) chega a denominar de “encruzilhada de expectativas” a diversidade das atitudes dos profissionais, esperadas pelos operadores do Direito e pelos casais que estão se separando; fato que, provavelmente, conduz o psicólogo ao posto de “coringa”, como interpretam Shaine e Ramos (1994, p.100). A dificuldade de ter disponibilizado um espaço físico adequado também é mencionada por esses autores, que fornecem exemplos dos locais destinados a este novo setor, como a cozinha, a garagem, ou o vão embaixo da escada, possibilitando uma série de deduções.

Outros estudiosos (Fernández et al., 1982; Brito, 1993) questionam a pertinência de um modelo de trabalho estritamente pericial. Entendem que tal proposta contribui para acirrar os conflitos existentes no contexto da separação, quando, na disputa sobre qualidades, as partes depreciam comportamentos e atitudes em nome da escolha do melhor guardião.

SOBRE AS CONDIÇÕES DE TRABALHO

Nos sete fóruns regionais pesquisados, foram encontrados 14 psicólogos(1) que atuavam junto às Varas de Família de Campos, Macaé, Niterói, Petrópolis, Nova Friburgo, Rio de Janeiro (Centro) e Campinho (que abrangia as Varas de Madureira e Jacarepaguá) (2). No início de seu trabalho, a maioria não se sentiu acolhida pela instituição – “passear ou vagar pelos corredores” foi uma expressão utilizada pelos entrevistados, em referência a sua chegada ao Fórum, quando não dispunham de uma sala própria.

Entre os psicólogos entrevistados, 71% informaram que não possuíam qualquer tipo de experiência prévia na área, reivindicando cursos para aperfeiçoamento profissional a serem oferecidos pelo Tribunal de Justiça.

De modo geral, os entrevistados classificaram as condições de trabalho como precárias, limitadoras da práxis. Muitas vezes, dividiam pequenos espaços com as assistentes sociais, com os defensores, ou utilizavam os bancos de espera para viabilizar um atendimento. Para garantir o sigilo necessário às entrevistas, recorriam a rodízios na ocupação das pequenas salas, com implicações que iam desde a redução da disponibilidade de horário para com os jurisdicionados à dificuldade de encontro entre os psicólogos. A confusão entre a intervenção própria da Psicologia e a do Serviço Social foi outra situação apontada com certo ressentimento pelos profissionais.

Como, em alguns municípios, a Vara de Família e a Vara da Infância e da Juventude funcionam juntas, muitos profissionais atuavam nas duas áreas. À semelhança das equipes de outros estados, alguns relataram que, inicialmente, lhes foram destinadas a cozinha, a garagem do prédio, ou ainda o antigo depósito de material de limpeza para a instalação do setor de Psicologia. Higiene mental?

SOBRE PROJETOS E EQUIPES

Quase todos responderam que não existia propriamente uma equipe entre os psicólogos alocados em uma mesma Vara, nem entre estes e os assistentes sociais, classificando o encontro, que porventura ocorria entre os profissionais, como “trocas” ou “conversas informais”. Quando um mesmo caso é enviado ao Serviço Social e à Psicologia, normalmente cada profissional faz o seu parecer, que é anexado ao processo.

Foi unânime o reconhecimento de que os psicólogos que integram o quadro do Poder Judiciário ainda não possuem metas ou diretrizes de trabalho comuns, fato gerador de inquietação para muitos que chegam a reivindicar “um fortalecimento do papel”. A extinção, pela Corregedoria do Tribunal de Justiça, da coordenação de Psicologia, criada logo após o ingresso dos primeiros psicólogos concursados, foi apontada como um dos fatores responsáveis pelo isolamento entre os profissionais, que se vêem sem representação. Muitos se sentem sem referência em relação ao trabalho a desenvolver, com sérias interrogações a respeito dos limites ou dos propósitos de sua intervenção.

Embora as atribuições dos psicólogos tenham sido definidas pela Corregedoria Geral da Justiça no Provimento n.39/99, o documento foi mencionado por apenas três psicólogos.

SOBRE A ATUAÇÃO DESENVOLVIDA

As distintas visões dos entrevistados quanto às atribuições e às responsabilidades profissionais evidenciaram controvérsias, caracterizadas no modelo de atuação. Colhemos depoimentos que identificavam o trabalho “como se fosse num consultório particular”, outros que defendiam a posição de um perito técnico “que deve apontar o melhor genitor”, e uma pequena fração contrária a este entendimento: “temos que deixar claro que não somos mais peritos”. Houve ainda os que procuravam explicar as suas funções por meio da equiparação a outras categorias: “nosso trabalho é meio de polícia”, como também justificavam sua postura em função de solicitação feita pelo juízo.

Destacaram que gostariam de empreender outras intervenções, mas se encontram sem condições no contexto institucional por diversos motivos – as expectativas dos operadores do direito, a inexistência de salas adequadas ou ainda a necessidade de um maior aprofundamento teórico na área, como se pode perceber no depoimento seguinte:

Fazer só perícia me frustra muito, porque não há possibilidade de fazer intervenção... Faço até propostas de encaminhamento, acompanhamento e reavaliação, mas ainda não nos estruturamos para montar este projeto.

Um fato que nos chamou atenção foi o de que no provimento da Corregedoria Geral de Justiça (nº.39/99), que visa a disciplinar a atuação dos psicólogos no âmbito do Poder Judiciário, não encontramos a incumbência de realização de perícia. Este documento dispõe, no inciso II, que cabe ao psicólogo “elaborar laudos e relatórios sobre os aspectos psicológicos dos jurisdicionados, os quais deverão ser apresentados à autoridade judicial”, acrescentando, no inciso VI, “desenvolver trabalhos de intervenção, tais como: apoio, mediação, aconselhamento, orientação, encaminhamento e prevenção, próprios aos seus contextos de trabalho.”

CONCLUSÃO

Pelos dados analisados, avaliamos que a reivindicação de espaço para o setor de Psicologia junto as Varas de Família não deve ser interpretada restritamente na sua referência à estrutura física dos distintos fóruns. Os diversos fatores destacados devem ser levados em consideração no exame da questão.

Indagamos se a necessidade de eventuais rodízios, em decorrência da falta de espaço para o funcionamento do setor de Psicologia, não contribuiria para a indefinição do papel deste profissional no âmbito do Poder Judiciário, com repercussões na formação de uma equipe.

Observamos que, apesar da criação do cargo de psicólogo junto ao Poder Judiciário, quando o Provimento 39/99 dispõe sobre a ampla gama de atribuições e técnicas a serem empregadas, muitos profissionais entrevistados parecem restringir a sua atuação ao modelo pericial, desconsiderando tais possibilidades.

Conclui-se que ainda não foi conquistada a autonomia necessária ao desenvolvimento de um Serviço de Psicologia nas Varas de Família examinadas, com sérias questões a serem enfrentadas e decididas.

NOTAS
* Professora. Adjunta do Instituto de Psicologia da UERJ.
** Psicóloga, aluna do curso de Especialização em Psicologia Jurìdica da UERJ.
*** Bolsista de iniciação científica PIBIC/CNPq, de agosto de 2000 a julho de 2002.
**** Psicóloga, especialista em Psicologia Jurídica pela UERJ.
***** Bolsista de iniciação científica PIBIC/Uerj, de agosto de 2001 a julho de 2002.
1 Cabe ressaltar que um dos psicólogos não fazia parte do quadro.
2 Em 2002, segundo informações da Corregedoria de Justiça, o quadro de psicólogos no estado do Rio de Janeiro contava com 113 profissionais, distribuídos entre as Varas da Infância e da Juventude, Família e Execução Penal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRAGA NETO, L. et al. Prática e paixão: memórias e mapas no trabalho com a menoridade. São Paulo: Oboré, 1992.
BRITO, L. Se-pa-ran-do: um estudo sobre a atuação de psicólogos nas Varas de Família.
Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1993.
FENANDEZ, I. A. et al. Los equipos técnicos de los tribunales de justicia. Anuario de Sociología y Psicología Jurídicas. Barcelona, p.221-229, 1982.
GILLOT, D. Familles – la victoire des nouveaux couples. Nouvel Observateur. Paris, nº.1753, p.10-18,11 au 17 fev.1998.
GONZALEZ, M. R. Los hijos como objeto de evaluación en los procesos de custodia disputada. Psicología Forense. Publicación de la Asociación de Psicólogos Forenses de la República Argentina. São Paulo, ano. 5, nº.8, p.64-74, junio 1993, Oboré.
RAMOS, M. & SHAINE, S. A família em litígio. In: RAMOS, M. (Org.) Casal e família
como paciente
. São Paulo: Escuta, 1994. p. 95-122.
RIBEIRO, M. A Psicologia Judiciária nos juízos que tratam do Direito de Família no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. In: BRITO, L. T. (Org.) Temas de Psicologia Jurídica. Rio de Janeiro: Relume-Dumará,1999. p.161-170.

Recebido em: 18/08/02
Aceito para publicação em: 03/09/02
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