ARTIGO 8


A EXAUSTÃO DOCENTE: SUBSÍDIOS PARA NOVAS PESQUISAS SOBRE A SÍNDROME DE BURNOUT EM PROFESSORES
TEACHER BURNOUT: FINDINGS FOR FUTURE LITERATURE REVIEWS

Fatima Araujo de Carvalho*



RESUMO

Objetiva-se, aqui, contribuir com o resultado da revisão de estudos bibliográficos sobre a exaustão ocupacional na educação. Caracterizado como fenômeno mundial, tem despertado o interesse de pesquisadores na tentativa de ampliar a visão do problema ao mesmo tempo que se busca solucioná-lo. Analisaram-se estudos realizados em diversos países e também no Brasil, oferecendo uma visão representativa do que já se produziu e publicou sobre o tema nos meios acadêmicos até nossos dias. Acredita-se que a análise do processo de interação desses fatores poderá contribuir para uma maior compreensão psicológica, pedagógica, política e econômica do fenômeno.

PALAVRAS-CHAVE
Burnout ; mal-estar docente; estresse

INTRODUÇÃO
O estudo da exaustão ocupacional, através do constructo da síndrome de burnout, tem atraído nos últimos anos a atenção de pesquisadores nacionais e internacionais devido a sua alta incidência em todas as profissões, entre elas a docente. Inúmeros estudos têm sido feitos para constatar a existência da síndrome e outros tantos para identificar estratégias de enfrentamento para aliviar, minimizar, superar ou mesmo prevenir esse mal, objetivando ainda entender as razões que levam os profissionais a entrar nessa fase de estresse mais grave, analisando fatores ambientais e pessoais.

Meu interesse pelo tema levou-me a escolhê-lo como problema de pesquisa no mestrado. O elemento detonador foi a leitura do livro Educação: carinho e trabalho, organizado por Codo (1999). O estudo que deu origem ao livro relata o resultado de uma investigação feita junto a 52 mil professores da rede pública de ensino nos 24 estados da Federação, concluindo que 48% manifestam algum sintoma de burnout, o que, segundo o autor, pode levar à falência da educação. Burnout é uma expressão inglesa que significa estar exaurido emocionalmente após longa exposição a uma situação estressante, com prejuízo para o resultado do trabalho que exerce. Dentro desse processo qualificado por Blase (apud Fierro, 1993) como cíclico e degenerativo, a insatisfação no trabalho e a falta de motivação resultam em sentimentos negativos, aumentando a possibilidade de uma posterior atividade ineficaz, conduzindo ao agravamento da tensão e do sentimento de inutilidade. Incomodada com os resultados da pesquisa entre os professores brasileiros e preocupada com a saúde psicossocial dos docentes e muito principalmente com seus reflexos no cotidiano escolar, já que o baixo envolvimento com o trabalho certamente interfere de maneira negativa no relacionamento com seus alunos, comecei a pesquisar estudos, tentando identificar se o problema existia também em outros países, analisando que razões apresentavam aqueles professores para chegar a esse estágio ou se era só nosso, local. Iniciando minha revisão de literatura, surpreendi-me com as poucas pesquisas nacionais sobre um tema exaustivamente estudado no exterior.

Uma contribuição se justifica tendo em vista que os estudos sobre o esgotamento profissional têm se intensificado no Brasil nos últimos três anos. Acreditamos que essa expansão se deva ao trabalho de Codo, já que, no Brasil, só no período 2000-2002, foram produzidos 12 estudos sobre o tema e outros 3 estão em andamento, levando a crer que Codo passou a representar um marco nacional nas pesquisas nessa área.

JUSTIFICATIVA DO ESTUDO

Tanto Maslach (1999) quanto Esteve (1999), grandes estudiosos do assunto, ressaltam a necessidade de se produzir mais e mais conhecimentos para que os dados se tornem mais consistentes e o fenômeno bem delineado pois somente através de uma análise precisa da situação é que se podem encontrar respostas para o desajustamento.

Dentro da perspectiva psicossocial, Frankenhauser e Gardell (apud Seligmann-Silva, 1994, p.59) apontam algumas necessidades que precisam ser atendidas nas situações de trabalho como aspirações pessoais do ser humano: exercer um controle pessoal sobre o próprio trabalho; a necessidade de interação social; de assegurar a existência de um “sentido” em suas tarefas pessoais, dentro de uma relação com um todo significativo. Considerando que grande número dos professores brasileiros participantes da pesquisa de Codo (1999) demonstrou que essas necessidades não estão sendo atendidas, provocando o desencadeamento de sintomas reacionários, como resposta à incapacidade do indivíduo de adaptar-se às condições ambientais (Kals, 1984), acredito que um estudo das dificuldades apontadas por professores de outras culturas, bem como o levantamento de estratégias para lidar com as dificuldades inerentes à profissão, são de extrema importância para a melhora da relação professor-aluno-comunidade, com visíveis ganhos para todos, já que

ensinamos mais do que pensamos. Os olhares que pousam sobre o professor não se limitam a observar as competências específicas. São muito mais abrangentes e perscrutam pensamentos, sentimentos e atitudes. Dessas observações nascem as identificações que permitem ao aluno elaborar seus modelos, inclusive no gosto pelos conteúdos de ensino e escolhas profissionais. (Gusdorf, 1998, p.76)

O CONCEITO DE BURNOUT ATRAVÉS DA HISTÓRIA

Julgamos importante para os estudiosos iniciantes no tema, fazer um histórico sobre a síndrome. Conforme Hargreaves (1999) esclarece, não há como se fazer um estudo sobre o mal-estar docente sem uma análise sócio-histórica do fenômeno.

O termo burnout origina-se de uma gíria inglesa que significa morrer de tanto trabalhar. Usado primeiro por Bradley, em 1969, quando adotou o termo para identificar o fenômeno psicológico desse significado, associado a profissões que exigiam cuidado com a clientela, só se tornou amplamente popular e aceito quando Freundenberger e Maslach se apropriaram da expressão (Schaufelli; Enzmann, 1998).

Freudenberger, em 1974, marcou o início de artigos sobre o tema. Os primeiros trabalhos em que se caracterizava o fenômeno surgiram em meados da década de 1970 nos Estados Unidos, de autoria do próprio Freudenberger (1974) e de Maslach (1976) e mostravam principalmente que o fato de chegar à exaustão emocional não significava uma aberrante resposta encontrada em um pequeno grupo, sendo, ao contrário, mais comum do que se poderia imaginar. A princípio estudado entre trabalhadores de áreas que exigiam cuidado com a clientela, o fenômeno foi despertando o interesse dos pesquisadores em outras áreas de atuação profissional, inclusive na educação, uma vez que a profissão professor foi sendo identificada como altamente propensa ao desenvolvimento da síndrome, razão pela qual hoje temos, no campo internacional, uma substanciosa literatura ligando o tema à profissão docente. É importante reconhecer, conforme destaca Maslach (1999), que esse fenômeno está se tornando um problema social mais do que escolar, ainda que seu estágio inicial se desenvolva dentro dos meios acadêmicos. Na década de 70, as pesquisas se preocupavam em mostrar a natureza estressante das profissões, recomendando algumas estratégias de prevenção e muito pouco oferecendo em evidências empíricas que pudessem confirmar ou refutar os dados obtidos, mais preocupadas, portanto, com a intervenção do que com a teoria e a pesquisa na escola. Outro fato a considerar, conforme esclarece Maslach, é que, a princípio, os pesquisadores refutavam a idéia de fazer pesquisa a respeito da síndrome porque evocava uma imagem de psicologia popular ao invés de um legítimo conceito científico. Por não haver essa ênfase em desenvolver teorias a respeito, não havia tampouco um conceito que pudesse ao mesmo tempo integrar e avaliar os resultados e as soluções propostas. A falta de um conceito teórico nos estudos iniciais impedia a obtenção de dados que pudessem validar um constructo. A novidade do fenômeno significava que muito precisava ser descoberto até que um modelo padrão pudesse ser desenvolvido. A dificuldade esbarrava no fato de que as pessoas desenvolvem teorias diferentes sobre o mesmo problema, dependendo de sua perspectiva pessoal e particular, o que poderia, a princípio, levar à inconsistência teórica do problema. Todavia, Maslach e Jackson (1984) apontam exatamente a rica diversidade de teorias como uma das maiores virtudes no campo de abordagem da síndrome.

Já na década de 80, os trabalhos sobre o tema entram em um período mais empírico, com muitos livros e artigos escritos, apresentando conceitos já bem mais delineados, com várias idéias e propostas de intervenções, além de evidências demonstradas através de questionários, pesquisas, entrevistas e estudos de casos clínicos. Estudado exclusivamente nos Estados Unidos até o início dos anos 80, o fenômeno chamou a atenção dos pesquisadores do Canadá e da Grã-Bretanha. Em um curto período de tempo, livros e artigos sobre as pesquisas foram traduzidos em diversas línguas, permitindo que outros países partissem para pesquisas sem passar pela fase pioneira do debate sobre o conceito em si. É ainda Maslach (1999) quem explica que, nesse período, desenvolveram-se medidas padronizadas sobre os sintomas e motivos causadores dessa exaustão, oferecendo ferramentas mais precisas de avaliação. Assim, pode-se afirmar que existe uma linguagem comum entre os pesquisadores que estudam o fenômeno burnout, permitindo comparações entre diversos estudos e resultados. Atualmente, há segurança acerca do tema porque há um consenso acerca da definição, estabelecida através do desenvolvimento e da validação de instrumentos de pesquisa, sendo o principal o Maslach Burnout Inventory (MBI). Vários outros instrumentos de medidas foram desenvolvidos (Silva, 2000), porém os mais utilizados ainda são o MBI e o Maslach Burnout Inventory for Educators (MBIE), já validados para uso no Brasil. A aceitação do MBI, desenvolvido por Maslach e Jackson em 1981 e 1986, mais tarde aprimorado por Maslach, Jackson e Lieter (1996), resultou em um método sistemático de avaliação, permitindo o aumento substancial de artigos publicados em jornais e periódicos educacionais, alguns deles dedicando edições inteiras ao tema. O intenso interesse de avaliação do fenômeno na área da educação levou os autores do MBI (Maslach, Jackson e Schwab, 1986 apud Maslach, 1999) a desenvolver um outro, voltado para ser aplicado especificamente em professores, o MBIE.

No Brasil, Lipp (2000) desenvolveu um instrumento denominado Inventário de Sintomas de Stress para Adultos (ISSL),(1) hoje também validado para uso com docentes.

A validade empírica do constructo tridimensional da síndrome de burnout, replicada em diversos estudos, entre estes o de Lee e Ashforth (1996), permitiu seu reconhecimento como doença ocupacional em diversos países. No Brasil, a promulgação da Lei n. 3048/99 (CID10 Grupo V - Síndrome de Burn-Out – Z73.0), reconhecendo a síndrome como doença do trabalho, foi um grande avanço para a área da saúde.

PESQUISAS INTERNACIONAIS SOBRE BURNOUT DOCENTE

A constatação da síndrome em professores de diversos países parece demonstrar que a relação ser humano-atividade professor está merecendo cuidados especiais, talvez por essa razão os estudos situam-se em diferentes áreas: Psicologia Social, da Educação, na Saúde Ocupacional, Psiquiatria, Relações Sociais no trabalho e Ciências Sociais. Esforços têm sido feitos, a partir dos resultados das pesquisas, para implantar programas de prevenção ou de auxílio no tratamento da síndrome, com orientações para ajudar os profissionais a reconhecer seus sintomas, fornecendo meios para a redução dos efeitos causados pelos agentes estressores no trabalho.

A identificação de milhares de pesquisas mostra o quanto o assunto está sendo estudado. A Internet se mostrou eficaz como instrumento de pesquisa, através de vários portais. O Portal CAPES (www.periodicos.capes.gov.br), com uso restrito às universidades autorizadas, permitiu o acesso a diversos periódicos: na área da PsycINFO, Sociological Abstracts, educação: www.eric.com; e MEDLINE/PUBMED. Em portais gratuitos, buscando-se por “teacher burnout” tem-se uma idéia do volume de publicações (em maio de 2002(2): www.eric.com 986 resumos; www.google.com, 20.200 referências; www.alltheweb.com 42.065 referências). Esses endereços direcionam o pesquisador a inúmeros resumos de pesquisa, artigos integrais, trabalhos elaborados pelas próprias universidades, para que os professores aprendam principalmente a reconhecer os sintomas e a trabalhar para preveni-los. Podem-se também acessar depoimentos de professores vitimados e de outros que conseguiram trabalhar mudanças em sua rotina com eficácia.

Dessa maneira, foi possível fazer o levantamento de 259 pesquisas internacionais, empíricas e teóricas sobre satisfação/insatisfação profissional/ estresse e burnout na profissão docente, realizadas em 46 países. A ausência de estudos em outros países indica a falta de divulgação através de um meio mais abrangente. A própria Rede Latinoamericana de Estudos em Educação (Reduc) mostrou-se desatualizada, com pesquisas anteriores a 1996. Esses estudos demonstram que o problema continua a chamar a atenção internacional dos pesquisadores na tentativa de se obterem mais subsídios que venham a possibilitar um melhor entendimento do fenômeno, bem como algum direcionamento eficaz para aplicação entre os docentes.

PESQUISAS NO BRASIL SOBRE O MAL-ESTAR DOCENTE

No Brasil o mesmo parece ocorrer com o surgimento de diversas novas pesquisas sobre as condições de trabalho docente, algumas especificamente sobre o tema (burnout, exaustão ocupacional), a partir de 1999.

No levantamento nacional sobre satisfação e insatisfação profissional docente, foram identificadas 47 pesquisas, no períodos de 1980 até 2002. Novamente a falta de divulgação mais extensa justifica a ausência de outras existentes e não mencionadas neste estudo. Assim, esses dados são aproximativos. Analisando-se o Quadro 1, a seguir, pode-se verificar o aumento considerável nos últimos dois anos, em proporção ao número produzido na década de 90 (Quadro 1 e Gráfico 1).

QUADRO 1 - QUADRO COMPARATIVO DAS PESQUISAS NACIONAIS POR DÉCADA

Ano publicação
Nº pesquisas

2000-2002
1990-1999
1980-1989

30
30
5

GRÁFICO 1 - PESQUISAS NACIONAIS POR DÉCADA

Conforme demonstrado no quadro, houve um aumento considerável de pesquisas nos últimos dois anos (19), em proporção ao número produzido na década 90-99 (24). Acreditamos que a pesquisa de Codo (1999) tenha desencadeado um interesse maior pelo estudo do fenômeno, embora Odorizzi (1995) já falasse sobre a síndrome como uma resposta inadequada a um estresse emocional crônico.

ANÁLISE DOS ESTUDOS

Os fatores desencadeantes da síndrome mencionados pelos professores pesquisados no Brasil poderiam, à primeira vista, em uma visão simplista, parecer única e exclusivamente decorrentes da política de educação vigente e característica do estado geral da educação no Brasil. Todavia, os estudos selecionados demonstram que, mesmo em países de Primeiro Mundo, o mal-estar docente se faz presente. O que leva um professor de um país desenvolvido como a Suíça, por exemplo, ou a Noruega, a Austrália, a Inglaterra, os Estados Unidos, o Canadá, onde aparentemente as condições de trabalho parecem ser mais favoráveis, a manifestar a síndrome? Incrivelmente, pelas mesmas razões expostas pelos professores brasileiros. A partir dos dados analisados, foi possível levantar as razões apresentadas pelo professores para o desgaste profissional que a docência causa e sua incidência, estudar formas de enfrentamento do estresse e os modelos etiológicos que determinam suas causas e origens.

Pesquisas foram levantadas a partir de 1976, data mais remota conforme a história da síndrome nos mostra, embora estudos iniciais sobre o estresse na profissão docente anteriores àquela data já revelassem o desencanto dos professores em pesquisas sobre a satisfação profissional. Os exemplos citados por Trigo-Santos (1996) dão uma idéia do volume dos estudos iniciais: Herzberg, Mausner, Peterson e Campbell, em 1957, realizaram 1.795 estudos; Lester realizou 1.063 estudos entre 1975 e 1986 e ainda Locke, em 1972, calculou que cerca de 3.350 estudos sobre o assunto já haviam sido feitos nos Estados Unidos, número de pesquisas, segundo Trigo-Santos (1996), esmagador.

Para entender melhor o fenômeno, é necessário defini-lo de modo mais abrangente. O que é burnout, ou seja, essa exaustão ocupacional crescente entre os trabalhadores e o que a provoca? A primeira definição, dada por Freudenberger (apud Silva, 2000 p.6), diz que “burnout é resultado de esgotamento, decepção e perda de interesse pela atividade de trabalho que surge nas profissões que trabalham em contato direto com pessoas em prestação de serviço como conseqüência desse contato diário no seu trabalho”.

Embora Barona (2000) diga afirme que ainda não existe uma definição unanimemente aceita sobre o termo burnout, ela admite que parece haver um consenso em aceitar que seja uma resposta ao estresse laboral crônico. A principal definição, aceita e difundida pela maioria dos pesquisadores, vem de Maslach (1976), quando ele diz que burnout é uma expressão que significa sofrer por exaustão física ou emocional causada por longa exposição a uma situação estressante. Para os estudiosos, entrar em burnout significa chegar ao limite da resistência física ou emocional. É uma reação à permanente tensão emocional gerada no ambiente de trabalho. Ainda segundo Maslach, o que diferencia o estresse de burnout está nas conseqüências de um e de outro. Enquanto o estresse afeta quase sempre somente a pessoa envolvida, burnout vai mais além, afetando também o resultado do seu trabalho e as pessoas que estão diretamente envolvidas no ambiente onde o fenômeno é constatado. Maslach e Jackson (1981) explicam que a síndrome abrange três aspectos multidimensionais (grifo nosso) : 1º) Exaustão emocional: quando a pessoa percebe haver esgotado toda energia afetiva por causa do excessivo contato com os problemas, fazendo surgir sintomas de cansaço, irritabilidade, propensão a acidentes, de depressão, de ansiedade, uso abusivo de álcool, cigarros ou outras drogas, surgimento de doenças, principalmente daquelas denominadas de adaptação ou psicossomáticas; 2º) Despersonalização: quando desenvolve sentimentos e atitudes negativas de cinismo para com as pessoas de seu trabalho, reduzindo a realização pessoal e a produtividade profissional, geralmente conduzindo a uma avaliação negativa de si mesmo, à baixa autoestima; 3º) Falta de envolvimento pessoal no trabalho: quando o trabalhador chega a uma fase tão negativa no trabalho, que termina afetando o resultado de suas atividades laborais com prejuízo para o atendimento da clientela.

Desse quadro, Garcia Montalvo (apud Silva, 2000), aponta o esgotamento emocional como o que apresenta uma dimensão mais consistente. Embora Selye (apud Meleiro, 2002) tenha proposto que o desenvolvimento do estresse se dê em três fases (alarme, resistência e esgotamento), pesquisas recentes do Laboratório de Estudos Psicofisiológicos do Estresse da PUC de Campinas identificaram uma quarta fase, denominada de quase-exaustão e que ocorre entre as fases de resistência e esgotamento. Sobre esta última fase de esgotamento, Meleiro (2002, p.13) assim se manifesta:

O estágio de esgotamento desenvolve-se quando a ação do estressor, ao qual o organismo se adaptou, permanece por um período longo, esgotando a energia de adaptação. O organismo é atingido no plano biológico ou físico e no plano psicológico ou emocional. A pessoa é agredida de um modo geral, e cada indivíduo tem propensão para adoecer de acordo com o locus de minor resistance, isto é, o órgão alvo de maior fragilidade, com a própria constituição e suas heranças genéticas.

Alvarez Galego e Fernandez Rios (apud Silva, 2000), também distinguem três momentos para a manifestação da síndrome (grifo nosso): 1º) as demandas de trabalho são maiores que os recursos materiais e humanos, o que gera um estresse laboral no indivíduo. Neste momento, o que é característico é a percepção de uma sobrecarga de trabalho; 2º) evidencia-se um esforço do indivíduo em adaptar-se e produzir uma resposta emocional ao desajuste percebido. Aparecem então, sinais de fadiga, tensão, irritabilidade e até mesmo ansiedade. Assim, essa etapa exige uma adaptação psicológica do sujeito, a qual reflete no seu trabalho, reduzindo o seu interesse e a responsabilidade pela sua função; 3º) enfrentamento defensivo, ou seja, o sujeito produz uma troca de atitudes e condutas com a finalidade de defender-se das tensões experimentadas, ocasionando comportamentos de distanciamento emocional, retirada, cinismo e rigidez.

Resultados observados por Gil-Monte e Peiró (1997) e Schaufeli e Enzmann (1998) apud Salanova et al. (2000) demonstram a presença de depressão, problemas de saúde no fator negativo pessoal e dentro do aspecto da organização, absenteísmo, alta rotatividade e diminuição do empenho laboral e conseqüente redução da qualidade do serviço.

Ainda que inicialmente as investigações apontassem algumas profissões como mais propensas à exaustão, entre elas a docente, Golembiewski et al. (apud Barona, 2000) asseguram que a síndrome afeta todos os tipos de profissões e não somente as que exigem um envolvimento maior com a clientela. Alguns estudiosos ainda descrevem a síndrome de burnout associada às profissões que exigem um contato direto com os usuários. No entanto, em estudos mais recentes tem-se detectado a presença de burnout até em áreas fora das dimensões do trabalho, o que tem permitido não mais associá-la a uma doença exclusiva do ambiente laboral.

Na busca por uma interpretação que justifique o desenvolvimento crescente de burnout entre os seres humanos, reconhecemos que, não resta dúvida, as últimas décadas têm provocado grandes mudanças nas organizações do trabalho e o espaço escolar não poderia passar imune a essas transformações. Modelos de competência e eficácia são exigidos velozmente, elevados a níveis não realistas, dificultando a consecução dos objetivos e fazendo surgir sentimentos de incapacidade profissional, falta de motivação, ambigüidade no papel a ser exercido. Constantemente, novas leis e estatutos são criados oferecendo novos procedimentos na prática de tarefas e funções, conduzindo companheiros de trabalho a relações tensas e conflitivas por falta de apoio, tanto das supervisões quanto das próprias organizações (Gil-Monte, 2002). Tudo isto vai criando um clima de tensão propício ao desenvolvimento da síndrome. No campo da educação especificamente, Hargreaves (1999), Esteve (1991) e Jesus (2002) também apontam as grandes reformas educacionais aliadas às mudanças sociais como os fortes fatores externos que contribuem para o mal-estar docente.

Admitindo que a síndrome de burnout seja “uma experiência subjetiva, que agrupa sentimentos e atitudes implicando alterações, problemas e disfunções psicofisiológicas com conseqüências nocivas para a pessoa e a organização, sendo que esta afeta diretamente a qualidade de vida do indivíduo”, Amorim e Turbay (apud Silva, 2000) defendem um estudo também filosófico em que se explicite a natureza humana e, principalmente, as dinâmicas interpessoais que possam interferir no desempenho e produtividade no trabalho.

FATORES GERADORES DE BURNOUT

Surpreendentemente, os estudos sobre o mal-estar docente tiveram início a partir de pesquisas realizadas para medir o grau de satisfação dos professores. Herzberg, Mausner e Snyderman (apud Trigo-Santos, 1996) desenvolveram uma teoria dual ou teoria de motivação-manutenção, identificando fatores intrínsecos e extrínsecos geradores de satisfação ou insatisfação no ambiente de trabalho. Fatores extrínsecos seriam os que contribuem para a geração de sentimentos de descontentamento no trabalho e esbarram em razões externas – em que se incluem salários, relações interpessoais (com colegas, superiores hierárquicos e pessoal subordinado), estatuto nacional da educação, medidas políticas, condições de trabalho, segurança, supervisão e vida pessoal.

Os fatores intrínsecos – como realização, reconhecimento, o trabalho em si, responsabilidade, progressão na carreira e possibilidade de desenvolver os fatores inerentes ao conteúdo do trabalho – seriam atribuídos à origem de sentimentos positivos em relação ao trabalho e, segundo o estudo, eficazes em motivar o indivíduo para uma execução e esforço de nível superior.

Abrimos um parêntese aqui para acrescentar que Lipp (apud Meleiro, 2002), assim como tantos pesquisadores, também define as causas geradoras de estresse como externas ou internas. Como externas, aponta as representadas pelo que nos acontece na vida ou pelas pessoas com as quais lidamos (trabalho em excesso ou desagradável, família em desarmonia, acidentes etc.). Como internas, aponta: a maneira como pensamos e a nossa maneira de ver o mundo segundo nossas crenças e valores. Trias (1998) faz referências a esses fatores, elegendo duas categorias resumidas e propostas por Esteve (1995), para quem o mal-estar docente está associado a uma grande multiplicidade de fatores: contextuais e do trabalho em sala de aula. Como fatores contextuais, Esteve aponta: a modificação do professor e dos agentes tradicionais de socialização; o aumento das exigências na aceitação de novas responsabilidades; a diminuição do papel educador da família com a inserção da mulher no mercado de trabalho; a modificação do papel do professor como transmissor de conhecimento (competição com TV etc.) e a falta de preparação para esse novo papel. Os do trabalho em sala de aula são os que geram tensões associadas a sentimentos e emoções negativas, tais como o sentimento de incapacidade de lidar com a indisciplina, de adaptação às novas formas de trabalhar, de não poder dar conta de atender, na prática, às novas exigências.

Retornando ao raciocínio anterior, Trigo-Santos (1996) relata que, aplicando a então denominada Teoria de Herzberg em estudos com uma amostra de 71 professores de um conselho no estado de Nova Iorque, Sergiovanni, em 1967, conseguiu resultados que corroboraram a teoria da dualidade de fatores, mostrando a tendência, também comprovada em estudos posteriores, de que os professores derivavam sua satisfação a partir de fatores relacionados com a docência, ao passo que o descontentamento decorria das condições de trabalho. De estudos baseados nessa teoria, segundo Sarros e Sarros (1987), iniciaram-se associações com a síndrome de burnout como mal-estar docente, traduzido, neste caso, como um estado extremo de exaustão mental com conseqüências físicas para o professor.

Um dos estudos mais completos para revisão de literatura sobre estresse e burnout na profissão docente é o de Travers e Cooper (1997) que, à semelhança de Codo, apresentam o resultado de um estudo elaborado por eles, com o apoio da National Association of Schoolmasters Union of Women Teachers (NASUWT) – considerado o segundo mais importante sindicato do Reino Unido –, visando a identificar e avaliar as causas de estresse e seu grau de extensão entre os docentes, depois de receberem inúmeras cartas e telefonemas dos professores, dirigidos principalmente para o departamento encarregado de estudar o estresse ocupacional, chamando-lhes atenção para o crescente problema. Travers e Cooper discutem tópicos como: definição de estresse docente a partir da identificação de agentes estressores da tarefa docente, analisando também fatores intrínsecos e extrínsecos tal como proposto por Esteve (1999) e como os professores respondem a esses fatores. Os autores analisaram ainda a insatisfação profissional, os problemas de saúde física e mental dos professores, desistência e abandono da profissão, a síndrome de burnout na docência, a administração do estresse na escola e na sociedade, respostas individuais ao estresse, sugerindo formas de identificação e convivência com os agentes causadores do estresse. Visavam também a melhorar o processo de aprendizagem como um ato contínuo à ajuda ao professor. Todos esses tópicos se aproximaram, como nos outros estudos, das queixas e reclamações dos professores na pesquisa de Codo (1999). Travers e Cooper (1997) identificaram que a lei de reforma educacional de 1988 foi a grande causadora das mudanças profundas no campo educacional na Grã- Bretanha, ao provocar uma aceitação obrigatória por parte dos professores de um novo currículo nacional.

Outros estudos como o de Woods (1999) analisam a exaustão docente sob uma visão psicológica e psicossocial, já que, segundo ele, processos psicológicos podem levar ou não ao estresse e ao burnout entre professores. A análise do fenômeno sob esse ponto de vista também é feita por Lens e Jesus (1999), quando diz que nem todos os professores padecem de estresse. Tanto Woods quanto Lens e Jesus afirmam que apesar de um grande número estar desmotivado, muitos também estão altamente motivados. Lens e Schops (apud Lens; Jesus, 1999), pesquisando a motivação em professores, identificaram que os professores mais motivados são os mais interessados em participar de atividades de capacitação contínua na própria escola onde atuam e de outros tipos de desenvolvimento profissional. Já Lens e Decruyenaere (apud Lens; Jesus, 1999) observaram que o estresse dos professores e a conseqüente desmotivação dos alunos parecem ser contagiosos. Lens e Jesus (1999), analisando as falas dos professores queixosos, observaram que os mesmos se classificam como os únicos que estão estressados, cheios de trabalho, mal pagos e sem reconhecimento profissional, acreditando que seus vizinhos que não são professores não enfrentam situações estressantes em seus empregos. Lens e Creten (apud Lens; Jesus, 1999), comparando grupos de 110 professores do ensino médio em duas escolas diferentes, com 50 funcionários burocráticos de 50 companhias distintas, realizando tarefas estressantes, não encontraram diferenças significativas em suas atividades profissionais, contrariando alguns estudiosos que consideram a profissão docente como a mais sujeita ao estresse. Lens e Jesus (1999) citam algumas características apontadas pelos professores como indicadores de mudanças na profissão docente que atuam como agentes estressores: as reformas educacionais e conseqüente capacitação e a psicologia dos adolescentes de nossos dias. Analisando esse comportamento, explicam que os professores mais estressados são os que não querem se ajustar às novas demandas porque estas contrariam seu estilo habitual de trabalho. Interpretam as mudanças profissionais não como um desafio ou oportunidades de atualização, mas como críticas pessoais ao trabalho que vinham desenvolvendo. Jesus (apud Lens; Jesus, 1999) ressalta a real necessidade, apontada por Hargreaves (1998), de os professores terem um novo sentido para profissionalismo, com menos individualismo e mais colaboração, menos supervisão e mais monitoria, menos resistência a mudanças e mais criatividade, flexibilidade e espírito de equipe, já que cada governo, ao elaborar suas reformas educacionais, age na tentativa de reorganizar para melhor seus sistemas educativos. E todos têm a consciência de que o papel do professor é essencial no desenvolvimento do processo de reforma, ainda que, na prática, nem todos trabalhem visando a valorizar o profissional docente da forma como valorizam profissionais de outras áreas do conhecimento. Entretanto, como bem aponta Trigo-Santos (1996), são os professores que têm a oportunidade de transformar suas escolas em comunidades críticas, reflexivas, questionadoras. Quando o professor descuida dessa função, as expectativas não são atendidas. Pela análise dos estudos, parece, portanto, serem as reformas educacionais, da forma como estão sendo apresentadas, a causa primeira desencadeadora de burnout na docência, seguida das aceleradas mudanças sociais que vêm incessantemente ocorrendo nas últimas décadas. A imposição vertical das mudanças, além de alterar profundamente as escolas e os atores nelas participantes, nem sempre consegue atingir, na prática, o que as leis asseguram porque a forma escolhida pelos governos para introduzir suas mudanças não desperta na classe docente o interesse pelas mesmas. E as mudanças sociais exigem do professor uma mudança de hábitos que nem sempre ele tem condições de atender (Hargreaves, 1999).

Destaque maior merece ser dado nesta revisão ao trabalho organizado por Vandenberghe e Huberman (1999), que reuniram artigos de 27 pesquisadores especializados no tema, objetivando prover novas perspectivas e um entendimento mais profundo da natureza, das condições e conseqüências do fenômeno na profissão docente, através de uma pauta de ações para prevenir a incidência de burnout no ambiente de trabalho. Essas contribuições representam as mais recentes pesquisas na área. Brock e Grady (2000) também oferecem uma abordagem prática para reconhecer, administrar e prevenir o burnout docente. Para elas, o diretor exerce um papel importante na ajuda aos professores, por isso o livro é dirigido aos diretores. Essa necessidade é constatada por Alevato (2002, p.6):

Em outros casos – na maioria das escolas públicas em crise é este o tipo de situação encontrado por nossa pesquisa – a condição de fragilidade psíquica da direção leva-a a uma espécie de “solidariedade explicativa” que não contribui em nada para a superação do impasse, mas agrava-o na medida em que reforça a verossimilhança da lógica da maioria. São diretores e líderes que choram junto, são considerados grandes amigos, compreensivos e companheiros, mas que ao mostrarem-se iguais no sofrimento e impotentes diante das exigências de ação reforçam a idéia de que não há saída possível, desestimulando o grupo a lutar.

Outras revisões importantes, feitas por Alvarez et al. (1993), Kyriacou (2001) e no Brasil por Lipp (2002) e Pereira (2002), trouxeram também contribuições enriquecedoras ao estudo da síndrome de burnout como mal-estar docente.

AS VOZES DOS PROFESSORES E AS FALAS DOS ESPECIALISTAS

O primeiro passo para identificar ou desenvolver estratégias de enfrentamento da síndrome é, segundo Travers e Cooper (1997) e Kyriacou (2001), reconhecer sua existência no ensino sem associá-la a alguma debilidade pessoal ou incompetência profissional. Codo (1999), ao interpretar a figura do professor como uma imagem de herói trágico, vítima de seu próprio zelo e idealismo, que paga um elevado preço por seu alto rendimento, apresenta uma visão de apoio no emocional que, conforme demonstraram Manassero et al. (2000), foi a primeira aproximação com o fenômeno, porém, segundo as autoras, não se ajusta mais ao modelo que atualmente se aceita. Esteve (1991, p.96) faz referência à síndrome como “um sentimento de desencanto que afeta hoje muitos professores, quando comparam a situação de ensino há alguns anos atrás com a realidade cotidiana das escolas em que trabalham”, atribuindo esse sentimento de insegurança ao ceticismo e à recusa dos professores em relação às novas políticas educativas. Sob a luz das novas exigências, mudanças radicais e demandas crescentes na atuação docente requerem o exame das atuais práticas, esperando-se ainda que os professores meçam o êxito dessas modificações, avaliando-se e avaliando seus alunos, mudando, em conseqüência, suas práticas.

Parece haver um consenso, nas vozes dos professores de todos os lugares, sobre os motivos causadores do mal-estar docente. Podemos dizer que os professores apontam as seguintes dificuldades: 1) enfrentam uma gama constante de pressões das crianças, dos colegas, dos pais, dos políticos e administradores, muitas delas conflitantes e quase impossíveis de serem atendidas; 2) os professores têm o desafio contínuo de manter o controle da classe; 3) não têm limites claros de horário de trabalho; 4) boa parte de seu trabalho é levada para casa, o que torna difícil desligar no fim do dia; 5) estão abertos a críticas de inspetores, pais, diretores, meios de comunicação e políticos; 6) não dispõem de recursos e oportunidades suficientes para reciclagem regular e ampla de seus conhecimentos; 7) paradoxalmente, espera-se que se mantenham atualizados com novos formatos e novos desenvolvimentos em sua matéria de ensino; 8) dependendo do diretor podem ter pouca voz ativa na administração da escola e na tomada de decisões; 9) têm seu próprio senso de padrões profissionais e sofrem as frustrações decorrentes de não conseguir alcançá-los; 10) têm o campo limitado para buscar conselhos ou discutir dificuldades com os colegas; 11) têm dificuldades de lidar com as mudanças.

Tantas dificuldades forçam os professores a desenvolver uma resistência que Mahoney (apud Almeida, 2000) classifica como um mecanismo de defesa, uma reação do organismo à mudança, para preservar o ‘eu’, já que novas propostas sempre desestabilizam a experiência e o conhecimento prévio, e são muitas vezes vistas como ameaças a sua identidade.

Estudos feitos por Fontana (1998) e por outros pesquisadores demonstram que professores que conseguem conviver ou superar as adversidades parecem pertencer a um tipo de personalidade cujas características psicológicas e outras como idade, gênero, educação, posição social e experiências passadas levam a certas variações sobre a forma como avaliar uma situação estressante e que o grau de envolvimento com as situações estressantes varia em conseqüência da capacidade psicofísica de resistência de cada indivíduo. Também Krause e Stryker (1984) afirmam que os efeitos dos acontecimentos dependem, em grande parte, do efeito mediador das diferenças em suas respostas fisiológicas, psicológicas e sociais. Interessante notar como essa observação faz sentido na análise que Hiebert e Farber (1984) fizeram em um estudo em várias escolas do Reino Unido. Os autores demonstraram que, embora o nível de estresse não variasse muito de escola para escola, variava amplamente dentro de cada uma delas, já que, enquanto para alguns professores os agentes estressantes eram desafios estimulantes, para outros surgiam como pressões devastadoras, o que justifica a afirmação de Fimian (1982), quando diz que a freqüência com que se produzem incidentes estressantes e sua força varia de professor para professor e que, no caso de pessoas que possuem alta resistência natural ou que são hábeis em adaptar-se, o estágio de exaustão pode até não ser atingido. Barefoot et al. (1989) observaram que professores suscetíveis se tornam mais propensos aos efeitos da síndrome. Kyriacou e Stucliffe (1978) identificaram que o grau de estresse enfrentado por um professor depende dos mecanismos de defesa e da capacidade de se controlar o elemento estressante e do grau em que o professor valoriza essa ameaça, o que parece indicar que algumas personalidades conseguem administrar melhor o estresse.

Segundo Hoover-Dempsey e Kendall (1982), a idéia crucial é que um mesmo acontecimento que pode gerar implicações para um determinado tipo de indivíduo pode também nada gerar para outro que já conseguiu desenvolver algum tipo de estratégia para enfrentar os problemas. Dependendo, portanto, das características psicológicas de cada indivíduo, das exigências circunstanciais (intensidade e duração) e das experiências passadas, assim como das diferenças no processo de valorização de cada indivíduo, alguns fatores podem tornar real um elemento, uma característica potencialmente estressante. Fierro (1993 p. 287) explica que “uma vez submetidos a iguais ou parecidas demandas, alguns docentes chegam literalmente a enfermar e outros não. Para explicar essa diferença, surge espontaneamente a invocação de fatores de personalidade.”

Tanto para Fontana (1998) quanto para Esteve (1999), Hargreaves (1999), Kelchtermans e Srittmatter (1999), Brock e Grady (2000), Jesus (2001), Kyriacou (2001), Tavares (2001), Meleiro (2002), entre outros estudiosos que defendem o mesmo ponto de vista, o apoio e incentivo de pessoas envolvidas na mesma tarefa e com um entendimento das dificuldades mútuas são recursos sugeridos para ajudar o professor a se sentir menos abandonado, menos exposto. É essencial conversar com colegas e diretores e informar os outros sobre o momento difícil que se está atravessando, pois é com o apoio e a solidariedade dos colegas e amigos que o mal-estar deve ser tratado. É por isso que, para Almeida (2000), sentir-se aceito, valorizado, ouvido com suas experiências, percepções, sucessos e insucessos, faz com que a ameaça seja diminuída, tornando a pessoa mais aberta à nova experiência. Fontana (1998 p.410, grifo nosso) e ainda diversos outros estudiosos sugerem que o professor “mantenha as ansiedades da vida profissional cotidiana numa melhor perspectiva e que seja mais realista em suas expectativas e em seus julgamentos do que é possível e do que é impossível em qualquer situação.” Sugere o desenvolvimento de “estratégias de distração” participando de atividades agradáveis que afastem a mente do problema e aumentem a sensação de controle pessoal ao invés das atitudes comuns provenientes das “estratégias de ruminação” (falar ou pensar repetitivamente sobre como as coisas são difíceis) ou das “estratégias negativas de enfrentamento da realidade” (adotar comportamentos escapistas perigosos como bebida e drogas, agitação física, ou agressividade com os outros).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, a síndrome de burnout continua a despertar o interesse de pesquisadores, principalmente na última década, tendo em vista o crescente número de professores vitimados, da pré-escola à universidade. A seleção de pesquisas realizadas em diversos países mostra que as dificuldades apresentadas pelos professores parecem fazer parte do cotidiano escolar de todos os professores, independentemente do lugar onde atue. Tendo em mente que não há soluções simples para o fenômeno dentro do complexo educacional, Kelchtermans e Strittmatter (1999) acreditam que a adoção das estratégias propostas podem ajudar a criar um ambiente mais saudável em nossas escolas, se todas as condições desencadeadoras da síndrome (organizacionais, inter e intrapessoais) forem observadas nos sistemas de prevenção.

NOTAS
* Graduada em Letras, Especialista em Formação de Facilitadores de Aprendizagem e Psicopedagogia (FAAP-SP) e Mestranda do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
1 Fonte: http://www.estresse.com.br
2 A pesquisadora está há mais de um ano estudando esses domínios. A opção pela data mais recente deve-se à alteração quase diária devido à velocidade com que novas informações são inseridas na rede.

 

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ABSTRACT

The purpose of this paper is to share some research findings of a literature review on teacher burnout and suggest some directions for future studies. Its objective is also to provide new perspectives and a deeper understanding of the phenomenum that has been considered an international problem. This syndrome has been recognized as a wide-spreaded crisis among teachers all over the world.. This study is the result of an analysis over more than 259 international studies and about 65 Brazilian studies on stress, burnout and teacher satisfaction/dissatisfaction and offers a representative view of the subject. We believe that this analysis can contribute to a major psychological, pedagogical, political and economic comprehension of the phenomenum.


KEYWORDS
Teacher burnout; stress; literature review
Recebido em: 17/06/02
Aceito para publicação em: 28/10/02
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