ARTIGO 5


PSICOLOGIA APLICADA À ODONTOPEDIATRIA: UMA INTRODUÇÃO
PSYCHOLOGY APPLIED TO PEDIATRIC DENTISTRY: AN INTRODUCTION

Áderson Luiz Costa Junior*

RESUMO

Apresenta-se, aqui, a psicologia aplicada à odontologia como um corpo de conhecimentos da psicologia clínica da saúde útil à avaliação e manipulação do repertório de comportamentos de indivíduos, especialmente crianças, expostos a tratamento odontológico, cuja situação é percebida como ameaçadora e/ou potencialmente aversiva. Discutem-se a aquisição e a manutenção de respostas de medo de dentista em crianças e as variáveis psicossociais que medeiam os processos de diagnóstico, tratamento e reabilitação em odontopediatria. Apresentam-se alguns procedimentos psicológicos de manipulação de repertório de comportamentos de pacientes aplicados à situação de consultório de odontologia. Pretende-se, assim, estimular a formação acadêmica e profissional do psicólogo para atuação em contextos de odontologia e de saúde de modo geral.

PALAVRAS-CHAVE
Psicologia aplicada à odontologia; odontopediatria; manipulação comportamental.

Cuidar da saúde bucal é uma atividade necessária a todos os indivíduos, independente de faixa etária, classe social ou nível de escolaridade. Infelizmente, uma parcela significativa da população brasileira, principalmente de nível socioeconômico mais baixo, enfrenta dificuldades de acesso a serviços especializados de odontologia, quer seja pela carência de informação sobre educação para a saúde, quer seja pelo alto custo dos serviços particulares, ou ainda porque este serviço nem sempre está disponível em unidades básicas de saúde pública. Um elemento, entretanto, parece interferir sobre o comportamento de grande parte dos indivíduos que buscam atendimento odontológico: eles acreditam que serão submetidos a algum tipo de desconforto durante o tratamento (Nathan, 2001), incluindo expectativas de sensação de dor – ainda no consultório e por algumas horas depois – e medo de estímulos variados (anestesia, instrumentos e equipamentos) e efeitos imediatos dos procedimentos odontológicos – inchaço prolongado da boca ou bochechas, sangramentos, entre outros (Liddel & Locker, 2000).

Em um levantamento informal, realizado no primeiro semestre de 2002, com uma amostra de 250 pessoas residentes em Brasília, DF, incluindo, proporcionalmente, respondentes das classes sociais A, B, C e D, foram obtidos os seguintes resultados: (a) uma em cada três pessoas referiu ter medo de ir ao dentista; (b) apenas uma pessoa em cada quatro entrevistados afirmou que costuma ir ao dentista a cada seis meses, confirmando dados referidos por Melamed e Williamson (1994) e; (c) duas em cada cinco pessoas entrevistadas observaram que somente procuram o dentista quando têm dor de dente ou sintomas suficientemente desagradáveis. Chamamos a atenção para o fato de que o medo de dentista, além de bastante freqüente, constitui uma das principais variáveis responsáveis pela reduzida freqüência do hábito de consultar-se, periodicamente, com um profissional de odontologia. Conforme Poulton (1997), mais de 50% das pessoas adultas costumam demonstrar medo de dentista e/ou evitar contatos periódicos com estes profissionais.

Interessante destacar que o comportamento de adiar a ida ao dentista por motivo de medo ou receio de dor, além de prejudicial à saúde, estabelece uma situação de reforçamento positivo da própria crença, tornando-a mais difícil de ser eliminada. Deixar de ir ao dentista pode proporcionar uma evolução do estado de gravidade de um problema bucal simples, que com o passar do tempo passa a exigir um tratamento mais especializado, eventuais procedimentos invasivos (e, conseqüentemente, maior probabilidade de sentir desconfortos físicos), além de maiores custos financeiros para sua execução. Um problema dentário simples pode, se não tratado a tempo, levar à destruição e perda de dentes, traumatismos e até neoplasias (Moraes; Pessoti, 1985). Um tratamento odontológico efetuado sob tais condições aversivas é determinante para a aquisição e manutenção de um estado de medo aprendido, bem como para o desenvolvimento de comportamentos típicos de fuga e esquiva de dentistas e consultórios odontológicos.

O medo de dentista e os efeitos comportamentais do tratamento odontológico não são temas de investigação recente, sendo referidos na literatura especializada desde 1891, conforme descrevem Townend, Dimigen e Fung (2000). Procedimentos que visam aliviar a dor ou reduzir o medo do paciente odontológico também são descritos há mais de um século, embora com resultados nem sempre conclusivos ou suficientemente sistemáticos para permitir seu uso generalizado.

Com objetivo de facilitar a convivência de crianças e adultos com situações de tratamento de saúde nem sempre agradáveis e/ou pessoalmente desconfortáveis, observou-se, na última década, um aumento do interesse científico e profissional por tecnologias psicológicas que pretendem proporcionar o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento mais eficientes para lidar com contextos potencialmente estressantes, tais como os que envolvem tratamentos e procedimentos odontológicos (Taylor, 1999).

Nathan (2001) ressalta que os odontopediatras deveriam compreender que o sucesso do manejo do paciente pediátrico não pode ser simplesmente medido pela conclusão de um procedimento odontológico específico, mas pelo registro da freqüência de comportamentos colaborativos que a criança apresenta ao longo das sessões de tratamento. Segundo o autor, uma variedade de técnicas de manejo não aversivo de comportamento tem impedido a aquisição de respostas indicadoras de medo em crianças expostas a procedimentos odontológicos invasivos. Todavia, o estudante de odontologia nem sempre tem acesso a informações sobre a aplicação de técnicas psicológicas e promotoras de comportamento colaborativo durante o curso de graduação ou ao longo de sua atuação profissional.

A PSICOLOGIA APLICADA À ODONTOLOGIA

A psicologia aplicada à odontologia constitui um corpo de conhecimentos teóricos e técnicos derivados da psicologia clínica da saúde e utilizado para a avaliação, controle e modificação de comportamentos de indivíduos (clientes e familiares) inseridos em contextos de tratamento odontológico (Moraes; Pessoti, 1985). Os diferentes procedimentos de intervenção psicológica podem ser aplicados a todas as áreas da odontologia, da clínica geral às especialidades, incluindo a ortodontia, a periodontia e a endodontia. Refletem uma filosofia da atenção integral à saúde do homem, em sua unidade biopsicossocial, considerando seu ambiente físico e seu meio sociocultural (Jacob, 1995; Singh, Moraes; Ambrosano, 2000).

O objetivo principal da psicologia aplicada à odontologia é interferir nas variáveis psicossociais que medeiam os processos de diagnóstico, tratamento e reabilitação em odontologia, visando a promover e manter o estado geral de saúde do indivíduo, bem como a prevenir e facilitar o enfrentamento eficiente de situações de tratamento dos transtornos bucais de usuários de sistemas de saúde. Por se tratar de uma campo interdisciplinar, requer a colaboração mútua e a integração de conhecimentos da psicologia, da odontologia e de outras ciências da saúde (Moraes; Pessoti, 1985).

Segundo Possobon (2000), a atuação profissional do odontopediatra não se restringe apenas à execução de procedimentos técnicos – preventivos e curativos – de odontologia, mas inclui também treinamento adequado para lidar com problemas comportamentais do paciente, “considerando as características de cada criança, a fase de desenvolvimento em que se encontra e as circunstâncias específicas de cada situação” (p. 15). Moraes e Pessoti (1985) já observaram que a competência do profissional de odontologia deveria ser avaliada a partir da consideração de dois fatores principais: qualificação técnico-científica e capacidade de compreender a aceitar os comportamentos inadequados do paciente que podem ocorrer na situação de atendimento.

Denominam-se variáveis psicossociais todos aqueles elementos psicológicos que os indivíduos têm ou adquirem por meio de imitação ou experiência, tais como sentimentos, crenças, idéias e pensamentos, principalmente quando expostos a eventos ou situações percebidas como estressantes. Considerando, por exemplo, a situação de uma criança submetida, pela primeira vez, a um exame bucal em que o dentista lhe provocou sensações desagradáveis em decorrência da manipulação de instrumentos na boca da criança, as reações momentâneas de protesto e a expectativa da criança de não mais voltar ao consultório identificam variáveis psicossociais.

Observamos que, quanto mais vulnerável o indivíduo se sentir em uma determinada situação, maior a intensidade com que as variáveis psicossociais tendem a se manifestar. No caso de um consultório de odontologia, alguns procedimentos de intervenção psicológica podem auxiliar a reduzir o caráter estressante com que a criança percebe a situação de consulta ou de tratamento dentário (Possobon, 2000).

Considerando que uma das variáveis psicossociais de maior preocupação de indivíduos que freqüentam consultórios de odontologia é o medo do dentista e dos eventos que envolvem o tratamento, devemos observar que o medo é uma sensação natural que os indivíduos apresentam como resposta a situações percebidas como estressantes ou aversivas e sobre as quais se sentem impotentes. Expostas a uma condição que tenha gerado medo, as crianças tendem a apresentar algum tipo de reação de defesa, que pode ser representada pelas seguintes possibilidades:

(1) Por comportamentos de fuga (que incluem deixar a situação o mais rápido possível, sair correndo ou ir embora).
(2) Por comportamentos em que evitam submeter-se à condição ou a uma situação específica da condição (designados como comportamentos de esquiva, como se recusar a sentar na cadeira ou abrir a boca para um exame clínico).
(3) Por comportamentos de imobilização motora (que incluem permanecer inerte, agarrado ao colo de um familiar, paralisado frente à situação percebida
como ameaçadora ou recusar-se a abrir a boca).
(4) Por comportamentos de enfrentamento da situação (que incluem passar pela situação enfrentando, por meio de estratégias comportamentais e/ou cognitivas, os elementos identificados como aversivos).

Podemos acrescentar, ainda, duas características essenciais dos estados de medo. O medo é uma sensação tipicamente objetiva, isto é, o indivíduo que tem medo, tem medo de algum elemento (ou situação) e sabe identificar este elemento, embora nem sempre consiga explicar por que tem medo ou qual sua origem. O medo é, também, geralmente resultado de um processo gradativo de aprendizagem, isto é, de experiências anteriores vivenciadas diretamente ou adquiridas por meio de relatos verbais, escritos ou fantasiosos.

No caso específico de medo de dentista, podemos levantar a hipótese de que pode se tratar de um temor aprendido a partir das primeiras experiências infantis com tratamentos odontológicos mal conduzidos ou cujas situações vivenciadas produziram excessivos desconfortos físicos e/ou psicológicos. Por exemplo, crianças que iam ao dentista sob controle coercitivo dos pais ou sob ameaça de punição física, ou mesmo profissionais de odontologia pouco hábeis no manejo do comportamento de crianças e adolescentes não colaborativos.

Se aquele não for o caso, o processo de aprendizagem de medo do dentista pode incluir ainda o relato de pais e familiares sobre as próprias experiências dolorosas e traumáticas com tratamentos odontológicos, que as crianças ouvem e aprendem por repetição, entre outras variáveis disposicionais. A apresentação repetitiva por parte de programas de televisão que insistem em caricaturar os profissionais da odontologia como essencialmente agressivos ou torturadores também contribui para a geração de crenças disfuncionais acerca das situações de tratamento odontológico.

Observam-se, a seguir, alguns exemplos de situações de aquisição de medo de dentistas. Em uma destas situações, o medo pode ter sido produzido através de uma história de condicionamento reflexo. Por exemplo, quando o odontólogo utiliza um motor (baixa rotação) para a remoção de uma cárie, pode produzir algum desconforto físico sobre a criança (tal como uma pressão mecânica ou uma sensação de dor momentânea). Como o funcionamento desse equipamento inclui um ruído característico, o parear simultâneo do som do motor com a sensação de dor produz, ao longo do tempo, uma resposta aprendida. Quando ouve o som do motor, ainda na sala de espera do consultório, a criança tem eliciada uma sensação de dor. Para alguns indivíduos, a mera lembrança daquele ruído é suficiente para desencadear reações de desconforto físico, que podem incluir mal-estar, náuseas e sensação de dor, diminuindo a probabilidade de que o indivíduo procure, voluntariamente, um odontólogo. A mesma condição de aprendizagem de medo, descrita para a broca dentária, pode ocorrer com outros elementos presentes em consultórios odontológicos, tais como imagens, objetos e cheiros, que também podem adquirir o caráter de produzir temores em pacientes.

O medo também pode ter sido adquirido por meio de situações relativamente simples de analisar: devido ao fato de alguns procedimentos odontológicos produzirem dor, independente do comportamento do cliente, a situação de tratamento odontológico torna-se aversiva, podendo produzir uma das seguintes conseqüências: reduzindo a probabilidade da ocorrência de comportamentos colaborativos ou de adesão em sessões subseqüentes de tratamento; aumentando a probabilidade da emissão de comportamentos não-colaborativos, que impedem, atrasam ou dificultam a realização de procedimentos do tratamento; aumentando a probabilidade de que o cliente abandone o tratamento sem concluí-lo; aumentando a probabilidade de que o cliente não volte, periodicamente, a procurar o dentista depois de encerrado o tratamento em curso.

Chamamos a atenção, ainda, para algumas variáveis ambientais do consultório, e do tratamento dispensado à criança e sua família, que atuam como intervenientes sobre o estado psicossocial (afetivo e cognitivo) delas (Fenton; Horbelt, 2001). A manipulação adequada destas variáveis pode evitar que funcionem como estímulos antecedentes e/ou situações estabelecedoras de ansiedade e medo.

Aspectos físicos da sala de espera, incluindo tamanho, limpeza, decoração e luminosidade. Sugere-se a utilização de elementos decorativos neutros que não eliciem reações emocionais automáticas de surpresa, repulsa ou medo. Móbiles e outros estímulos com motivos infantis tendem a desviar a atenção da criança para conteúdos que instigam a curiosidade e a distração. Cuidado especial deve ser tomado com a decoração de consultórios que também recebem adolescentes, evitando-se uma excessiva infantilização do ambiente.

A música, se disponível na sala de espera, deve ser neutra, evitando-se ritmos musicais pesados ou temas musicais que eliciem reações emocionais intensas.

Odores e ruídos do consultório devem, na medida do possível, estar inacessíveis à sala de espera.

A pontualidade do atendimento é uma das variáveis disposicionais correlacionadas positivamente com a satisfação dos serviços prestados. Devemos lembrar que o atendimento de crianças inclui a presença de, pelo menos, um acompanhante cuja disponibilidade de tempo é geralmente limitada.

Alguns procedimentos psicológicos podem atuar como amenizadores do caráter eliciador de medo que determinados estímulos presentes em consultórios odontológicos, tais como broca dentária, anestesia e instrumentos metálicos, costumam produzir. Reduzir a freqüência de ocorrência de comportamentos não-colaborativos com o tratamento odontológico pode significar intervir sobre as variáveis psicossociais que atuam na elaboração do medo da criança.

Chamamos a atenção para o fato de que nem todos os procedimentos descritos a seguir são úteis a toda e qualquer criança. Antes da utilização de um procedimento psicológico, é interessante avaliar o perfil comportamental e cognitivo da criança, considerando sua faixa etária e nível de compreensão de informações. Devemos lembrar, ainda, que tal avaliação pode ser realizada pelo próprio odontopediatra, desde que treinado apropriadamente.

Ressaltamos que a manipulação de variáveis ambientais deve incluir ações que resultem em benefícios para o cliente (e seus familiares) contra os elementos habitualmente geradores de medo. Por exemplo, a entrevista inicial realizada pelo profissional deve ser um dos instrumentos utilizados para elaboração do perfil psicológico do cliente, constituindo-se em um elemento de facilitação do processo de tratamento. Durante a entrevista, podem-se abordar questões relativas à experiência anterior do cliente com outras situações de tratamento odontológico, história de interrupção de tratamento da criança (às vezes motivada pelos próprios pais), identificação de crenças e expectativas do cliente, bem como avaliação de habilidades e recursos pessoais da criança para o enfrentamento de situações adversas. Conforme a habilidade do profissional de odontologia, esta abordagem não significa, necessariamente, que o tempo de duração da entrevista será onerado significativamente, atrasando o atendimento de pacientes subseqüentes.

PROCEDIMENTOS DE MANEJO COMPORTAMENTAL
Exemplos de procedimentos psicológicos potencialmente úteis às situações de consultório e tratamento odontológico incluem:

(1) A modelação, procedimento no qual a criança assiste um vídeo (ou slides, ou mesmo cenas ao vivo) de uma outra criança que foi submetida a um procedimento odontológico semelhante àquele que será executado nela. A observação de um outro indivíduo exposto a uma situação ameaçadora e que tenha apresentado repertório de comportamentos adequado pode encorajar o cliente a submeter-se à mesma situação. Neste caso, desloca-se a atenção da criança para os comportamentos colaborativos e não para o procedimento odontológico a ser executado.

(2) Procedimentos de relaxamento muscular, efetuados imediatamente antes da execução de um procedimento odontológico, podem ser úteis em produzir uma diminuição gradativa da tensão muscular da criança, bem como maior autocontrole respiratório, reduzindo a agitação motora da mesma durante o período de tratamento. O relaxamento muscular pode ser conjugado com procedimentos de visualização cognitiva, nos quais a criança é convidada a criar estímulos mentais (imagens) que se contraponham a estímulos produtores de ansiedade e medo.

(3) O odontólogo pode utilizar um procedimento de permissão de controle sobre o tratamento. Neste caso, o profissional ensina a criança a informar (com algum tipo de sinal) quando estiver sentindo dor ou algum desconforto com o tratamento. O dentista deve interromper a execução do tratamento ao sinal da criança e demonstrar os progressos que ela vem obtendo no que se refere ao enfrentamento do tratamento. O objetivo desta estratégia é estimular a criança a superar gradativamente suas próprias realizações comportamentais, fazendo com que ela perceba que mantém controle sobre as ações do dentista.

(4) Um procedimento muito útil para determinados clientes que preferem ter controle total sob a situação a que serão submetidos, é a combinação de estratégias de apresentação, nomeação, descrição e demonstração (a estratégia de manejo identificada como conte, mostre e faça). Neste caso, o odontopediatra apresenta os principais instrumentos que serão utilizados no tratamento, nomeia-os, descreve-os e demonstra sua utilização à criança. Observa-se que a demonstração pode ser efetuada verbalmente ou, ainda, em modelos de gesso ou vídeo. A apresentação dos instrumentos tem o objetivo de reduzir a ansiedade da criança diante de uma situação desconhecida, evitando a geração de temores e crenças disfuncionais. A cada passo do tratamento, a criança pode receber explicações detalhadas sobre sua execução, desde que apresentadas de modo a que possam ser devidamente compreendidas por ela.

(5) A distração é um dos procedimentos mais referidos na literatura como potencialmente eficiente, se forem apresentados à criança estímulos suficientemente atrativos e incompatíveis com a tensão psicológica gerada pela situação de consultório e do tratamento odontológico. Uma criança que tenha medo de dentista, provocado por determinado ruído de instrumento odontológico, por exemplo, pode permanecer ouvindo música, com fones de ouvido, durante todo o tempo de duração da consulta. Uma outra criança pode, durante o tratamento, assistir programas de televisão em um monitor de vídeo fixado sobre o teto do consultório. A distração possui o objetivo geral de desviar a atenção da criança de estímulos aversivos aos quais ela é vulnerável para elementos agradáveis e mais reforçadores.

(6) Estratégias gerais de caráter preventivo devem ser adotadas e combinadas aos procedimentos descritos acima. Segundo Nathan (2001), evidências empíricas indicam que a qualidade da interação entre o dentista e a criança pode ser considerada uma condição antecedente promotora de comportamentos colaborativos e redutora de ansiedade. Comportamentos indicadores de medo ocorrem menos freqüentemente, mesmo em crianças muito pequenas, com a adoção de esquemas específicos de reforçamento positivo. Allen e Stokes (1987) e Allen et al. (1992), por exemplo, obtiveram uma redução média de 75% na ocorrência de comportamentos não colaborativos com tratamento odontológico. As crianças eram recompensadas contingentemente com pausas de tratamento, pequenos brinquedos e elogios de caráter pessoal quando apresentavam comportamentos colaborativos com o procedimento odontológico em andamento.

Fenton e Horbelt (2001) ressaltam que os profissionais de saúde que atendem crianças e que têm dificuldades em identificar e reforçar comportamentos voluntários de submissão ou de colaboração a tratamento podem estar contribuindo para que a criança adquira e mantenha comportamentos concorrentes com os procedimentos médicos e odontológicos a serem executados, aumentando a probabilidade de que tais profissionais venham a adotar estratégias coercitivas para obtenção de controle comportamental da criança.

Ressaltamos que a psicologia da saúde, área de conhecimento científico e profissional da psicologia, vem ampliando gradativamente sua participação em diversas áreas de especialização da medicina e odontologia. A participação de psicólogos como membros de equipes de pediatria, oncologia ou odontologia, por exemplo, já é uma realidade em alguns serviços de saúde. Esperamos, que em curto espaço de tempo, o psicólogo seja reconhecido como um profissional indispensável a todas as especialidades da saúde que lidem com pessoas (pacientes, clientes e familiares) em busca de ajuda.

NOTAS
* Professor Adjunto do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília

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ABSTRACT

The text presents Psychology applied to Odontology as a knowledge field on Clinical Health Psychology, helpful to behavioral repertoires assessment and manipulation, specially on children exposed to odontological treatment situation, perceived as threatened and/or potencially aversive. We discuss acquisition and keeping dentist fear responses on children and psychosocial variables that interfaces diagnoses processes, treatment and rehabilitation in odontopediatrics settings. Psychological procedures for behavioral manipulation are discussed. The text intends to stimulate academical and professional psychologist formation on the context of Odontology and health in general.

KEYWORDS
Psychology applied to Odontology; Odontopediatrics; behavior manipulation.

Recebido em: 08/05/02
Aceito para publicação em: 02/10/02
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