Resenha
Naming the Mind: how Psychology
found its language
DANZIGER, Kurt. London: Sage, 1997. 214 p.
Até
que ponto categorias como cognição, emoção, inteligência, personalidade e
aprendizagem refletem ou representam classes de eventos psicológicos? Quais os
contextos históricos nos quais emergiu essa linguagem psicológica? Após
investigar a dependência da psicologia moderna das práticas sociais de
investigação em Constructing the subject:
historical origins of psychological research (Cambridge University Press,
1990), o historiador da psicologia Kurt Danziger lança um olhar para as
transformações históricas na estrutura do discurso psicológico neste Naming the mind. Professor Emérito na
York University (Toronto), Danziger desenvolve pesquisas na History and
Psychology Graduate Option [www.psych.yorku.ca/grad/ht/faculty.html], ao lado
de colegas que investigam história da esquizofrenia, história da psicanálise,
história das teorias de personalidade e história da psicologia do desenvolvimento.
Conforme
o próprio autor alerta, seria no mínimo arrogância defender que, entre as
infindáveis alternativas para se dizer da experiência e ação individual, a
linguagem da American Psychological Association reflita com precisão uma
estrutura natural e universal dos fenômenos chamados "psicológicos".
Como explica ele, "os psicólogos não inventaram o conceito de emoção, por
exemplo, para dar conta de certos achados empíricos; eles obtiveram certos
achados empíricos impulsionados pelo seu próprio desejo de investigar um
conjunto de eventos que sua cultura nomeava como 'emocional'".
Ao
mapear a emergência de determinadas categorias como científicas para a Psicologia,
a partir de certas tradições semânticas e usos de linguagem, Danziger busca
identificar alguns elementos de caráter estrutural na formação histórica das
categorias psicológicas. Tendo como fonte a língua inglesa, o autor examina em
sua obra diversas camadas de discurso psicológico e conclui que, em cada camada,
um conjunto específico de distinções conceituais emerge para formar uma rede
específica e interconectada de categorias, que torna possível um certo
entendimento da "experiência humana".
Ao buscar reconstruir historicamente
determinadas redes de categorias, Danziger defende que mudanças de significado
em um termo dado - como por exemplo inteligência ou aprendizagem - não são
independentes de mudanças de significado em outros termos, e que portanto o
significado de cada termo investigado depende da posição que ocupa em uma dada
formação discursiva; ou seja, uma linguagem que constitui uma constelação de
significados em que cada termo articula-se com outros para formar uma estrutura
coerente, e que representa um tipo de conhecimento reconhecido como verdadeiro
e um tipo de prática reconhecida como legítima.
Danziger
localiza três camadas de discurso na construção histórica da linguagem
psicológica. Um primeiro nível, enraizado em um certo discurso moral articulado
no século XVIII inglês, estrutura-se a partir da significação construída em torno
da separação entre indivíduos, assim como entre os agentes individuais e suas
ações. Danziger mostra como esse momento manifesta-se na emergência de uma rede
de categorias com sentido "moderno", como self e consciência, e também na extinção da categoria
"paixão", que abandona o discurso científico para ser substituída por
"emoção". Essa nova sensibilidade moral também envolveu mudanças
revolucionárias no entendimento de antigas categorias como razão, sem a qual
concepções "modernas" de inteligência e emoção não teriam lugar na
formação discursiva.
A
linguagem psicológica permanece em parte como discurso moral, mas uma segunda
camada emerge a partir da autoridade especial da psicologia "moderna"
e do uso de categorias que carregam uma aura científica. Originadas da Biologia,
essas categorias constróem uma nova camada no discurso psicológico e seu uso
está relacionado à emergência de uma distinção entre o domínio fisiológico e
psicológico, e a polêmica história dessa distinção. Danziger discute aí categorias
como comportamento, aprendizagem e inteligência, tendo como ponto de partida as
transformações na natureza das relações entre psicologia e fisiologia e suas
consequências para a linguagem psicológica.
Uma
terceira camada do discurso psicológico emerge com a profissionalização da
psicologia e sua institucionalização como disciplina. Esses desenvolvimentos
marcaram a criação de uma classe de especialistas cuja existência impôs novas
funções à linguagem psicológica. Antes, o uso de categorias psicológicas era
largamente difundido em textos filosóficos, médicos, e literários, difusão essa
que não se extingue com o século XX.
Assim como em sua obra anterior, Danziger defende aqui que categorias
constitutivas da linguagem psicológica são conectadas a práticas sociais
específicas, e que portanto seu significado depende do uso que se faz em
contextos sociais específicos. Nessa terceira camada, torna-se imprescindível
reconhecer a dimensão política das categorias psicológicas, investigando não
apenas seu aspecto descritivo, mas sua função normativa. É assim que a história
da psicologia construída em Naming the
Mind desloca o foco investigativo para a reconstrução histórica de
categorias como elementos em formações discursivas, e não pode ser escrita em
termos de uma história de personagens.
Contra
uma historiografia da psicologia que interpreta a recomposição do sentido
histórico em termos de ações, pensamentos e personalidade individuais, Danziger
defende uma investigação que considere as contribuições individuais como
elementos de uma formação discursiva, e não como uma seqüência sem relevo de
biografias de pioneiros, imaginados na evolução de um saber psicológico sem
raiz.
* Historiadora e doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP.
Aceito para
publicação em: 04/10/01