ARTIGOS

 

Reabilitação profissional: o que pensa o trabalhador sobre sua reinserção

 

Professional rehabilitation: what the worker thinks about their reintegration

 

 

Elisabete Cestari*, I; Mary Sandra Carlotto**, II

I Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, Canoas, Rio Grande do Sul, Brasil
II Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A reintegração dos trabalhadores que se encontram parcialmente incapacitados, por motivo de doença ou acidente, é um processo complexo que depende do padrão de interação entre as várias instâncias: trabalhador, INSS, empresa e família. Assim, o estudo buscou conhecer a vivência do trabalhador segurado em seu processo de reinserção laboral na empresa de vínculo, procurando avaliar aspectos do trabalhador e do Programa de Reabilitação Profissional que contribuem efetivamente para uma adequada readaptação no mercado de trabalho e em seu contexto familiar e social. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 05 trabalhadores. Verificou-se, por meio deste estudo, que os trabalhadores retornaram ao mesmo local de trabalho e para a mesma função, com restrição de tarefas ou para outra atividade. Observou-se a falta de integração entre os objetivos do Programa de Reabilitação Profissional – por parte do INSS – e entre as empresas. A reabilitação é considerada uma alternativa de retorno ao trabalho e um espaço de reflexão e construção de novos caminhos para serem trilhados por estes trabalhadores que buscam um novo significado para suas vidas.

Palavras-chave: Reabilitação profissional, Trabalhador, Reintegração funcional.


ABSTRACT

The reintegration of workers who are partially incapacitated due to such incidents is a complex process, depending largely on the standard of integration between several factors, including the worker, social security, the company, and the family. Semi-structured interviews were conducted with 5 workers. The aim was to understand the meaning of the return process to each of them, evaluating aspects of both the workers and the Professional Rehabilitation Program that effectively contribute to adequate readaptation within the job market as well as in a family and social context. The importance of assessing professional rehabilitation lies in the fact that it is within the workplace that the last stage of this process takes place. There is lack of integration between the objectives of Professional Rehabilitation Program by the INSS and companies. This study led to the conclusion that the workers returned to the same workplace and to the same job, but performed restricted tasks or took on different activities. Rehabilitation is not only considered an alternative to returning to work, but also as psychological space for reflection and the construction of new pathways workers to follow in search of new meaning in their lives.

Keywords: Professional rehabilitation; worker; functional reintegration.


 

 

1 Introdução

A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar (EDUARDO GALEANO).

Ainda na infância, a sociedade, a escola e a família transmitem a ideia de que um dos sentidos da vida é dado pelo exercício de uma profissão. O emprego ou trabalho deve garantir a sobrevivência através de uma remuneração. Deve dar estabilidade, proporcionar crescimento, satisfação e uma adequada aposentadoria.  Este é o percurso de vida normal desejado pela maioria das pessoas. O trabalho, como instituição social, cumpre uma série de funções: impõe uma estrutura temporal na vida cotidiana das pessoas; conduz a experiências e contatos regulares compartilhados com pessoas fora do núcleo familiar; vincula o indivíduo com metas e propósitos que transcendem aos seus próprios; define a identidade e status pessoal e, por fim, conduz à realização de uma atividade (JAHODA, 1979).

Muitas pessoas, ao longo de suas vidas, conseguem espontaneamente um nível adequado de competências para projetar e construir sua história profissional. Outras, tendo em vistas as características e circunstâncias de trabalho, têm este projeto interrompido. É o caso dos trabalhadores que sofrem acidentes e adoecimento no trabalho.

Segundo Jacques e Codo (2002), embora a compreensão sobre o significado do trabalho, na constituição do ser humano, comporte muitas interpretações que se expressam na diversidade de concepções teóricas e metodológicas acerca da relação entre saúde/doença e trabalho, é evidente a constatação de que o trabalho, sob determinadas condições, provoca desgaste e adoecimento.  Perder ou romper com o vínculo de trabalho é uma experiência negativa, não apenas do ponto de vista econômico, mas, também, por afetar o bem-estar físico, psicológico, comportamental, familiar e social do trabalhador (RAMON; ÁLVARO, 1988).

Para estes trabalhadores, existem determinadas políticas de indenização e proteção social que dão espaço a políticas de reinserção.  Assim, na medida do possível, podem reintegrar-se à sociedade do trabalho. No Brasil, essa função é desempenhada pelo Ministério da Previdência Social por meio do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos, bem como da sociedade, que se destina a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

A Previdência Social tem como objetivo reconhecer e conceder direitos aos seus segurados, sendo sua renda utilizada para substituir a remuneração do trabalhador contribuinte, quando este perde a capacidade de trabalho, seja por doença, gravidez, prisão, invalidez, velhice, e morte.  

Neste contexto é que se insere o Programa de Reabilitação Profissional, serviço prestado para os beneficiários afastados de sua atividade profissional em decorrência de doença, acidente de qualquer natureza, assim como portadores de deficiência física ou mental. Esta reabilitação é entendida como um processo de assistência reeducativa e de readaptação profissional, devendo fornecer os meios indicados para o reingresso do segurado no mercado de trabalho e em seu contexto social (ROSIN-PINOLA; SILVA; GARBULHO, 2004).

O trabalhador acidentado, mutilado no processo de trabalho, sofre dupla exclusão. A primeira é a econômica, uma vez que o indivíduo perde a sua condição de trabalhador produtivo e ganha a denominação de ‘cidadão de segunda classe'. E a segunda, é a social, pois o trabalhador deixa de ser um sujeito autônomo, torna-se inválido, dependente e vítima de preconceitos (MATSUO, 1999).

Para este trabalhador afastado de seu trabalho, as condições de inserção são mais difíceis, seja pela perda de determinadas funções, habilidades e temores quanto ao futuro profissional. Um acidente de trabalho pode implicar na ruptura da construção da identidade profissional, na medida em que o papel assumido pelo indivíduo, assim como em  todas as expectativas sociais e os projetos de vida relacionados à profissão são drasticamente modificados. Além disso, o indivíduo acidentado passa a pertencer a uma categoria relacionada a atributos de desprestígio e desqualificação social/profissional como, perda de papel profissional; estar doente ou ser inválido e não ter perspectivas de futuro; ser inútil/improdutivo. Ou seja, um acidente de trabalho interfere na objetivação-subjetivação da realidade e o indivíduo acidentado passa a ter novas relações com os outros, com o mundo e com seus próprios projetos (ROSIN-PINOLA; SILVA; GARBULHO, 2004, p. 55).

Os acidentados pelo trabalho ou trabalhadores que desenvolveram alguma doença em decorrência deste não devem ser considerados vítimas, mas trabalhadores produtivos, porém, diferenciados (MATSUO, 1999). Neste sentido, a Reabilitação Profissional é um programa estruturado para desenvolver atividades terapêuticas e de profissionalização que abrange a integralidade do indivíduo, fortalecendo-o para lidar e superar as dificuldades impostas por suas incapacidades. O programa, além de visar à estabilização física e a ampliação de movimentos e força, atua no processo de estabilização psicossocial, possibilitando a integração nas relações sociais, cotidianas e de trabalho através de uma identidade ressignificada. O objetivo do programa de reabilitação deve ser o estabelecimento de condições fundamentais para que seus beneficiários atinjam o melhor índice possível de inclusão em seu meio, em bases justas. Este só poderá ser alcançado por meio de um trabalho sério, profundo, competente, técnico e voltado para a necessidade de fazer com que a pessoa com deficiência compreenda e aceite seu problema, sem sucumbir a ele. O programa de reabilitação deve garantir a todos os membros da equipe, não apenas a possibilidade de observação direta, para a identificação de problemas ocasionados por certos hábitos e atitudes dos seus segurados, mas, também, o estabelecimento dos objetivos a serem perseguidos com a sua participação (MATSUO,1999; SILVA, 2001).

A área de Reabilitação Profissional tem um duplo papel: o primeiro diz respeito a regulação econômica dos sistemas, com a finalidade de reduzir o tempo dos benefícios por incapacidade; e o segundo é o de  proporcionar formas de intervenção para a redução e superação das desvantagens produzidas pelas incapacidades (MOOM; GEICKER, 1998 Apud TAKAHASHI; IGUTI, 2008).

A habilitação e a reabilitação profissional são consideradas ações orientadas a possibilitar que a pessoa com deficiência, a partir da identificação de suas potencialidades laborativas, adquira o nível suficiente de desenvolvimento profissional para o ingresso e reingresso no mercado de trabalho e participar da vida comunitária, conforme cita o artigo 31, do Decreto N° 3.298, de 1999 (BRASIL, 1999). A reabilitação profissional brasileira caracteriza-se como uma política integrante do sistema de benefícios previdenciários, desenvolvida com exclusividade no âmbito do Estado, uma resposta pública à questão da incapacidade associada aos acidentes de trabalho e às doenças profissionais (TAKAHASHI; IGUTI, 2008).

Assim,este estudo exploratório de abordagem qualitativa buscou conhecer a vivência do trabalhador segurado em seu processo de reinserção laboral na empresa de vínculo, procurando avaliar aspectos do trabalhador e do Programa de Reabilitação Profissional que contribuem efetivamente para uma adequada readaptação ao mercado de trabalho e ao contexto familiar e social. 

 

2 Percurso Metodológico

2.1 Contexto do estudo

O estudo foi realizado em uma agência do INSS de uma cidade de grande porte da região metropolitana de Porto Alegre, com população de 400 mil habitantes aproximadamente. Atualmente, encontram-se, em Programa de Reabilitação Profissional, 145 segurados; surgem 05 novos casos por dia, em média.

A Gerência é dividida em três polos de reabilitação - industrial, carbonífero e litorâneo. O programa é referência nacional baseado no projeto de pólos e processo de filtragem para ingresso na reabilitação. A cidade possui o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) gaúcho e é sede de grandes empresas, nacionais e multinacionais, nos ramos de gás, metal-mecânico e elétrico. A indústria representa 68,4% da base econômica da cidade.

O Programa de Reabilitação Profissional, no Brasil, e sua ação de auxiliar o retorno ao trabalho está assegurada através da Constituição Federal. O Ministério da Previdência e Assistência Social administra essa ação por meio do INSS. Trata-se de um serviço que tem como objetivo "proporcionar aos segurados e dependentes incapacitados (parcial ou totalmente) os meios indicados para a (re)educação e (re)adaptação profissional e social, de modo que possam voltar a participar do mercado de trabalho" (MPAS, 2001, p. 64).

O segurado, ao ingressar no Programa de Reabilitação Profissional, é atendido inicialmente pelo médico perito, o qual realiza uma avaliação preliminar do seu potencial laborativo. A seguir, é encaminhado para um dos orientadores profissionais (assistente social, terapeuta ocupacional, estagiárias de serviço social ou de psicologia). Estes avaliam aspectos, como nível de escolaridade, faixa etária, perdas funcionais, contraindicações ocupacionais, aptidões e habilidades, experiências profissionais, prognóstico de retorno ao trabalho considerando o atual mercado de trabalho e motivação do segurado, de acordo com o Manual Técnico de Atendimento na Área de Reabilitação Profissional (BRASIL, 2005). No Programa de Reabilitação Profissional, os segurados têm duas possibilidades de encaminhamento para o mercado de trabalho. A primeira é tentar reinseri-lo na empresa de vínculo em uma nova atividade laborativa. A outra é encaminhá-lo para realização de cursos no SENAI ou SENAC, sendo estes custeados pelo INSS.  Privilegia-se, no entanto, que o trabalhador retorne à sua empresa de vínculo. Em anseio a tal objetivo, é importante avaliar as reais condições (pessoais e do ambiente de trabalho). No entanto, torna-se necessário, muitas vezes, a mudança de cargo para que o indivíduo possa desempenhar uma ocupação saudável que não prejudique sua recuperação. Esta, realizada de forma planejada e adequada, gera bons resultados para o empregado e empregador (ROSIN-PINOLA et al. 2004). A relação entre o mercado de trabalho e o trabalhador terá como significado o potencial, a igualdade de direitos, a capacidade de gerar resultados e, acima de tudo, mostrar que suas limitações não representam obstáculos para a execução de determinadas tarefas (OLIVEIRA; SILVA; PALAZI, 2007).

Após as entrevistas, é realizada uma análise em conjunto com o médico perito para definir a elegibilidade do segurado ao programa. Na situação do segurado com vínculo empregatício, caso esse apresente condições, é estabelecido um primeiro contato com a empresa de origem, por meio de ofício, para solicitação de avaliação na empresa com o objetivo de verificar a possibilidade de recolocação do segurado na mesma função/atividade anterior ao agravo. Em caso de avaliação negativa, é encaminhado outro ofício para solicitação de Readaptação Profissional para troca de função/atividade. Neste são colocadas as contraindicações físico-funcionais e o potencial laborativo do empregado. No prazo máximo de quinze dias, a empresa deve posicionar-se e encaminhar o cadastro de funções disponível para que sejam avaliadas as possibilidades da nova função. Essa avaliação é efetuada pelo responsável da orientação profissional juntamente com o médico perito. A função sendo compatível, o segurado é encaminhado para treinamento na empresa por um período de quinze ou trinta dias, conforme recomendação do médico perito. O orientador procederá à solicitação de recursos materiais necessários, tais como auxílio-transporte e auxílio-alimentação.

Ao final do treinamento, é realizada nova análise conjunta para encerrar o programa profissional, elaborar laudo conclusivo e emitir Certificado de Reabilitação Profissional, Anexo XVII (BRASIL, 2005b). É solicitado, ainda, o agendamento de exame médico-pericial para o encerramento do Benefício por Incapacidade (BI) e o retorno ao trabalho.

Este é o contexto no qual foi realizado o percurso metodológico, identificados os resultados, e realizada a discussão.

2.2 Participantes

O estudo foi realizado com cinco segurados que participaram do Programa de Reabilitação Profissional do INSS, os quais foram readaptados na empresa de vínculo.

Os critérios de inclusão foram: estar em exercício profissional há mais de seis meses, período que as pesquisadoras consideraram como tempo suficiente para obter-se uma avaliação do processo de readaptação; estar no seu primeiro processo de readaptação funcional; estar trabalhando em cidade localizada na mesma cidade do INSS; data de encaminhamento às empresas realizado no mês anterior aos seis meses de trabalho definido como mínimo para participação no estudo.

 

Quadro 1 - Caracterização dos participantes

 

2.3 Instrumento

Utilizou-se como instrumento a entrevista semi-estruturada. Nela permite-se ao sujeito participante expressar espontâneamente o seu pensamento através de suas experiências, dentro do foco temático colocado pelo investigador, contribuindo para a elaboração do conteúdo da pesquisa.

Para Queiroz (1988), esta é uma técnica de coleta de dados que supõe uma conversação continuada entre informante e pesquisador e que deve ser dirigida por este de acordo com seus objetivos. Desse modo, da vida do informante só interessa o que venha a inserir-se diretamente no domínio da pesquisa. O corpo da entrevista foi estruturado em três temáticas: histórico-ocupacional antes e após o agravo; vivência no Programa de Reabilitação Profissional; retorno à atividade laboral.  

 

2.4 Procedimentos

Primeiramente, foram identificados, nos registros do programa, os sujeitos que atendiam aos critérios estabelecidos para o estudo. Após, foi realizado contato telefônico, oportunidade na qual foi apresentado o objetivo do estudo a fim de obter o aceite para participação. Todos os contatados selecionados aceitaram participar da pesquisa. Assim, foi agendado o horário e local de melhor conveniência para o participante.

As entrevistas foram realizadas nos meses de abril e maio de 2009, e tiveram uma duração média de 30 minutos. Desenvolveram-se em sala reservada para os que optaram realizá-la tanto na empresa quanto na agência do INSS. Os relatos foram gravados e, posteriormente, transcritos na íntegra. Os textos passaram por correções linguísticas, porém, sem eliminar o caráter espontâneo das falas. Para o tratamento dos dados utilizou-se a técnica da análise temática ou categorial que, de acordo com Bardin (2002), baseia-se em operações de desmembramento do texto em unidades, ou seja, busca-se descobrir os diferentes núcleos de sentido que constituem a comunicação para, posteriormente, realizar o seu reagrupamento em classes ou categorias. A autora aponta, como um dos pilares do método, a fase da descrição ou preparação do material, a inferência ou dedução e a interpretação. Dessa forma, foi realizada a pré-análise, ou seja, a leitura ‘flutuante'.

Após a exploração do material, realizou-se a codificação, quando foram feitos recortes em ‘unidades de contexto'e de ‘registro'. Na sequência, realizou-se a fase da categorização. Para tanto se considerou como critérios para sua formulação a exclusão mútua, a homogeneidade, a pertinência, a objetividade, a fidelidade e a produtividade.

A última fase, a do tratamento dos dados, permitiu que a inferência e interpretação dos conteúdos coletados se constituíssem em análises reflexivas.

As classificações e os recortes dos relatos que originaram a categorização foram encaminhados a dois juízes, psicólogos-pesquisadores com conhecimento do tema em estudo, para posterior cálculo de concordância, ou seja, para verificação da fidedignidade da categorização realizada pelas pesquisadoras no intuito de evitar possíveis vieses (BELEI et al., 2008).  Em consonância com Fagundes (1999), esta categorização é aceitável quando a classificação do pesquisador e dos juízes atinge um índice de concordância mínimo de 70%

O projeto teve aprovação do Comitê de Ética da instituição de afiliação das autoras de acordo com o protocolo 2008-599H, tendo sido realizados os procedimentos éticos, conforme Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no que diz respeito à pesquisa com seres humanos (BRASIL, 1998). Foi esclarecido aos entrevistados tratar-se de uma pesquisa sem quaisquer efeitos avaliativos individuais e que as respostas e os dados referentes aos resultados seriam anônimos e confidenciais. Para garantir estes aspectos éticos foi fornecido aos participantes um Termo de Consentimento Informado.

 

3 Resultados e discussão

A partir do procedimento analítico identificaram-se os núcleos de sentido os quais, em suas características similares, compuseram um conjunto de expressões que permitiram a formação de categorias de análise. Graças a essa análise foram identificadas sete categorias, são elas: Situação ocupacional anterior ao agravo e ingresso no INSS; Significado do trabalho desenvolvido antes do agravo; Causas do afastamento do trabalho; Importância do Programa de Reabilitação Profissional para a recolocação ao trabalho; Percepção do retorno ao trabalho; Relacionamento com chefias e colegas; Percepção da família no retorno ao trabalho.

 

4 Situação anterior ao agravo e ingresso no INSS

Verificou-se, a partir dos relatos dos participantes, a ocorrência de acidente ou adoecimento vinculado às condições e organização do trabalho. A intensidade e o ritmo acelerado no trabalho e o número excessivo de horas na jornada são decisivos na precarização da saúde do trabalhador, podendo eliminá-lo precocemente do mercado de trabalho. Neste contexto, a força de trabalho é consumida e substituída, conforme se desgasta, como qualquer outro componente de um processo de produção (ABRAMIDES; CABRAL, 2003). Os relatos retratam o exposto:

"Eu trabalhava na Varig, era mecânico de manutenção, fazia revisão de poltronas, do piloto, co-piloto, passageiro, executivo, pintava, reparos, serviço repetitivo. Fiquei 05 anos fazendo o mesmo trabalho" (P1).

"Eu trabalhava como motorista há 20 anos. Trabalhei um bom tempo de serviço em POA, depois comecei a viajar pelo interior do Rio Grande do Sul. A minha atividade, dirigindo, dava umas 04 horas" (P2).

"O trabalho que eu fazia no supermercado era de segurança, caminhava por toda a loja, ajudava o conferente a descarregar os caminhões. Trabalhei em um banco, depois vim para (cidade do estudo) como contínuo e passei, por último, a trabalhar como caixa do banco. Trabalhei também em uma empresa de processamento de dados. Agora, no supermercado, é que estou há 11 anos" (P3).

"Eu trabalhava na máquina de fazer bobinas, colocava numa estufa para secar, depois tinha que tirar aqueles pinos, era horrível para tirar, às vezes precisava de dois ou três para tirar, era muito pesado, na época não tinha rodízio nas máquinas, eu trabalhava sozinha e a minha máquina era a mais grandona" (P4).

"Eu trabalhava como auxiliar de produção e laminação desde janeiro de 2005" (P5).

Os tipos de agravo apontam para adoecimentos decorrentes do modelo taylorista-fordista. Teoria que se baseia na divisão das tarefas, padronização das tarefas do trabalhador, separação entre execução e produção, sendo a produção realizada por trabalhadores de menor qualificação. Há intensa pressão, controle de ritmo, tempo e execução que busca constantemente a certificação de que o trabalho está sendo executado de acordo com os padrões estabelecidos. O trabalho, nesse modelo, é rotineiro, com pequeno grau de envolvimento e participação dos trabalhadores, e a produção estimulada principalmente por incentivos financeiros. Sem dúvida, são fatores que potencializam a insegurança, a angústia e o sofrimento no trabalho e, por conseguinte, causam ou agravam os quadros de adoecimento.

 

5 Significado do trabalho desenvolvido antes do agravo

O trabalho exerce um papel estruturante na vida das pessoas e da sociedade. No plano individual de análise, o trabalho tem sido, entre outros aspectos, um poderoso fator de identificação social e de bem-estar psicológico, como também tem se constituído em fonte de realização, em oportunidade para o indivíduo criar, produzir e dar uma contribuição social (BORGES et al., 2006). De acordo com Enriquez (2002), os trabalhadores investem em seu trabalho, dele se apropriam, fornecem-lhe um sentido e inscrevem uma parte de seus projetos na organização. Isso significa que, mesmo em um trabalho fragmentado, o trabalhador é fisgado por sua ‘consciência profissional'. Essa questão é revelada nas falas a seguir:

"Era o significado do meu sustento, sustento familiar, como qualquer serviço que tu faça, se tu gosta, tu faz e sempre quer fazer melhor" (P2).

"Eu gostava muito deste trabalho, me realizava nele" (P4).

"Era um serviço bom, gostava bastante do serviço, sentia bastante prazer de trabalhar, não tinha problema nenhum" (P1).

"Representava o meu sustento, o pão de cada dia, e era uma função que eu gostava, até já tinha 02 aumentos e ia passar para o 3º, tava ambicionando o cargo de operador de máquina" (P5).

Os entrevistados falam de seu trabalho com propriedade, afeto e certa nostalgia. Verifica-se o sentimento de satisfação com o investimento realizado, assim como com os resultados obtidos, seja numa perspectiva complexa, na forma de crescimento do outro; seja na perspectiva concreta, de subsistência e manutenção. Dentro desse espectro, verificam-se sentimentos de pesar pela interrupção do projeto profissional.

 

6 Causas do afastamento do trabalho

Considerando-se os relatos dos participantes, as causas do afastamento do trabalho ocorreram por motivo de doenças relacionadas ao trabalho, auxílio doença acidentário (B91)1 no qual três dos entrevistados tiveram como diagnóstico: (P1) – Bursite do ombro direito – Patologia Osteo Articular, (P2) – Síndrome do Túnel do Carpo, Espondinite e (P3) – Transtorno Articular – Tendinite no Ombro direito. Um participante recebeu auxílio-doença previdenciário (B31)¹, Fratura da perna direita jogando futebol e outro entrou em benefício por se acidentar no trabalho (B91)¹ – sua sequela foi esmagamento da falange distal do 2º dedo da mão esquerda (P5).

Nos relatos, a seguir, fica clara a relação da doença desenvolvida como decorrente do trabalho rotineiro e executado por um longo período de tempo:

"Cinco anos fazendo o mesmo trabalho, era um serviço bom, mas era sempre repetitivo, principalmente na manutenção, era cansativo" (P1).

"Eu trabalhava como motorista há 20 anos e adquiri uma espondinite de esforço repetitivo, aí comecei a forçar o outro braço, passei também a sentir dor nele e após tive síndrome do túnel do carpo" (P2).

"Nove horas direto, sempre o mesmo movimento, saía da estufa quente e ia para água fria, depois, tirava os pinos, tinha vários tamanhos e tipos, mas a minha era a mais pesada. Esse foi meu primeiro trabalho, 15 anos nesta função" (P4).

Esta situação de afastamento do trabalho, decorrente da doença ocupacional adquirida por estes participantes, acaba impondo uma revisão nos modos e estilos de vida dos mesmos. O afastamento pelo adoecimento é vivenciado como rompimento com o trabalho que se manifesta através do corpo, trazendo a necessidade de aprender a conviver com a dor (RAMOS; TITTONI; NARDI, 2008). Os participantes expressam sua dor ao colocar que:

"Não me sinto recuperado, só que procuro não me exceder naquilo que eu posso fazer, para evitar que tenha dor novamente" (P2).

"Depois que tu estás com este problema crônico, não existe isto de tu mudar de função e não sentir dor, tu pode tá parado, mas tu já tá com o problema.Também estender uma roupa, tem que baixar o varal, torcer a roupa já não pode, dói, tem que ter os limites" (P4).

Assim, o diagnóstico de uma doença crônica traz impactos que interferem na vida do indivíduo como um todo. Essa nova condição imposta exige mudanças nas atividades cotidianas, nas relações interpessoais e, principalmente, nos comportamentos e maneira de lidar consigo e com sua saúde. "A rotina, as ocupações e tarefas que eram executadas até então podem ser alteradas em função do tipo e gravidade da doença e do tratamento proposto, forçando o in­divíduo a adaptar-se a novas exigências e superar dificuldades e obstáculos que até o momento não eram vivenciados" (BRITO, BARROS, 2008, p.143).

O próprio trabalhador pode apresentar dificuldades em aceitar as limitações impostas pelo seu adoecimento, não conseguindo negar pedidos e colocar suas limitações. Muitas vezes, esconde seus sintomas e tenta corresponder às solicitações e exigências impostas, agravando, desse modo, seu quadro. Isto pode ocorrer pelo medo de perder o emprego ou ser discriminado (MOURA, 2000). Nas colocações do P4, isto fica evidente quando ele se refere:

"Não é fácil, tu tens uma função, depois vem o limite, o problema quando tu ta trabalhando, tu aguenta até não poder mais, tu pensas vai passar, não vou procurar o médico, só que tu não quer perder o teu serviço para ir ao médico, só que teu problema vai agravando, tenho colegas que não procuraram recursos antes e foram demitidos".

Percebe-se, a partir de alguns relatos, que, apesar de suas doenças serem decorrentes da atividade que executavam, evidenciam satisfação com o trabalho e tarefas realizados.

"Era um serviço bom, gostava bastante do serviço, sentia bastante prazer de trabalhar, não tinha problema nenhum" (P1). "Ah! eu sempre gostei, eu já estava trabalhando de gerenciador lá em baixo no supermercado, já tinha me afastado da segurança e estava trabalhando com notas e tudo" (P4). "(...) era uma função que eu gostava, até já tinha 02 aumentos e ia passar para o 3º, tava ambicionando o cargo de operador de máquina" (P5).

 

De acordo com os dados referidos, e levando-se em consideração a situação ocupacional antes do agravo, pode-se destacar que os motivos que levaram ao afastamento do trabalho relacionam-se à compreensão de que a saúde e doença são fenômenos com forte componente social, e não simplesmente decorrências de particularidades individuais ou biológicas. Os relatos reforçam o entendimento das doenças profissionais como um processo determinado socialmente e relacionado com a maneira como os indivíduos estão inseridos no processo produtivo.

 

7 Importância do Programa de Reabilitação Profissional para a Recolocação ao Trabalho

Muitas empresas reinserem o funcionário acidentado apenas para cumprir exigências legais e evitarem multas e indenizações. De um modo geral, não proporcionam ao funcionário a possibilidade de reorientação profissional e recolocação em funções mais adequadas aos atuais limites e que atendam também ao desejo do trabalhador (ROSIN-PINOLA; SILVA; GARBULHO, 2004).

Na colocação de dois participantes, observa-se a insatisfação com o trabalho oferecido pela empresa de vínculo, demonstrando que, muitas vezes, as empresas não têm a preocupação em readaptar o funcionário levando-se em consideração suas habilidades e aptidões. Não oferecem cursos de aperfeiçoamento que lhes proporcionem exercer outra tarefa com satisfação e participação no seu processo de reabilitação.

"Eu era obrigado a fazer esses 30 dias de reabilitação profissional, eu não gostei, e até brigava com meus chefes, era uma coisa que eu não gostava de fazer, tinha que ficar levando papel e escrevendo, isto não é para mim".

Dejours (1987) considera a insatisfação no trabalho como uma das formas fundamentais de sofrimento do trabalhador e relacionada ao conteúdo da tarefa. Tal insatisfação pode ser decorrente de sentimentos de indignidade pela obrigação de realizar uma tarefa desinteressante e sem significado, de inutilidade por desconhecer o que representa o trabalho no conjunto das atividades na empresa, de desqualificação, tanto em função de questões salariais como ligadas à valorização do trabalho, em aspectos como responsabilidade, risco ou conhecimentos necessários.

"O que me ajudaria dentro da empresa era um curso de inglês, porque tudo dentro da empresa é em inglês, manuais, tudo. Mas daí, nesse meio tempo, a empresa mandou a resposta e eu era obrigado a fazer a reabilitação. Eu fiz vários cursos, no SENAI, fiz curso técnico, e até perguntei para a Assistente Social se nesses 30 dias eu não podia mudar, tive que fazer o que a empresa tava pedindo" (P1).

"Na realidade, reabilitado eu não me sinto. Para mim seria tu te sentir satisfeito é poder fazer realmente aquilo que tu tá gostando. A empresa tem bastante setores, é só eles querer te dar uma oportunidade. Tem campo na empresa como em qualquer outro lugar, eu fiz curso de configuração e manutenção de computadores" (P2).

Entretanto, para um dos participantes, a experiência de retorno para outra função acabou lhe gerando insatisfação, afetando também sua saúde mental.

"Tá trazendo já pro meu Psicológico, eu vou para a empresa, eu fico até nervoso quando eu tô lá" Uns problemas assim que quando eu chego em casa e cumprimento a minha esposa ela até estranhou e diz:"Tu tá nervoso também dentro de casa" (P1).

"Eu sinto, porque, esse serviço que eu tô fazendo é uma coisa que os outros fazem, eles botam o painel de ferramentas, botam no escritório, carregam papel, então todos os funcionários que voltam é assim, é esse serviço que eles dão" (P1).

A saúde fica comprometida quando o desejo de executar uma tarefa é impedido pela organização do trabalho, a qual limita os trabalhadores a uma única direção, tirando-lhe a expectativa e possibilidade de elaboração própria de suas metas e objetivos de acordo com suas aspirações, necessidades e motivações internas (DEJOURS, 1993).

Verifica-se a unilateralidade no processo de reinserção e a não consideração do perfil, motivações e interesses do trabalhador. Esses sentimentos geram outro, o de obrigação, pois o trabalhador, em atinência às normas vigentes, não pode se negar a assumir a função oferecida pela empresa, caso avaliado como fisicamente capacitado.  Pelo contrário, a ideologia dominante é de que deveria sentir-se grato pela empresa ter aceitado seu retorno. Perpassa, pelas falas, o sentimento de serem uma peça a ter que ser recolocada, não importa em que local.

A empresa, muitas vezes, dificulta o retorno do trabalhador e as negociações com o Programa de Reabilitação Profissional são realizadas de forma lenta e tal fato acaba gerando angústia no segurado, deixando-o inseguro para voltar ao trabalho.

"Não gostei, é um serviço que eu não gosto de fazer, era obrigado a fazer esses 30 dias de reabilitação profissional, não me senti reabilitado por que é uma função que eu não gosto de fazer (P1).

De acordo com Matsuo (1999), o distanciamento da empresa em relação ao acidentado e vice-versa, no período de afastamento, é prejudicial para o processo de reabilitação. A falta de uma atenção contínua faz com que o acidentado fique inseguro quanto ao seu lugar no trabalho e de pertencer a um grupo social.

A importância da participação efetiva do segurado em fase de reabilitação fica expressa na colocação do P5: "Sempre que fui chamado no INSS eu ia e procurei participar da minha situação e nas decisões sobre minha volta". Matsuo (1999) reforça esta questão quando diz que a participação dos trabalhadores na escolha da função é importante, pois demonstra o seu interesse na reabilitação. Quando a mudança de função ocorre de maneira adequada, considerando seu potencial laboral, oferece-se a oportunidade de iniciar uma nova carreira e ter a perspectiva de crescimento profissional.

Dos relatos apresentados é importante ressaltar que, muitas vezes, a reabilitação profissional também depende da forma como os profissionais da equipe, durante as entrevistas, procuram fazer os encaminhamentos para a empresa incentivando os trabalhadores nas decisões sobre o retorno ao antigo ou novo posto de trabalho."Para alguns técnicos a verdadeira reabilitação deve enfocar a qualificação profissional do acidentado, para que ele tenha condições de retornar para a empresa ou então enfrentar o mercado de trabalho"(MATSUO, 1999, p. 78).

A importância do trabalho realizado pelas equipes multiprofissionais, nos Programas de Reabilitação Profissional do INSS, está na sua capacidade em auxiliar os segurados a aceitar suas limitações e, ainda, compreender e vislumbrar o potencial que têm para trabalhar.

"Olha, para mim, sinceramente, foi ótimo, não tenho nenhuma reclamação, fui muito bem atendido aqui. Para mim, eu já estava na rua e eles conseguiram fazer com que eu permanecesse lá" (P3). "Eu tinha uma expectativa que eu iria trocar de função e que era um novo desafio para mim, o INSS me proporcionou esta troca de função, e a empresa também proporcionou me reabilitar após o acidente, que coisas novas eu iria aprender. O INSS teve a preocupação em me botar aqui dá melhor forma possível, de saber a função que eu iria desempenhar" (P5).

A maioria dos relatos, de um modo geral, deixa clara a falta de integração entre os objetivos do Programa de Reabilitação Profissional por parte do INSS e as empresas. O INSS, através do trabalho de seus profissionais, é percebido como facilitador no processo, sendo dificultado pelas empresas que os desconsideram. Quando os segurados conseguem um bom resultado, atribuem ao esforço da parceria estabelecida entre os profissionais da equipe do INSS e as empresas.  

 

8 Retorno ao trabalho

Dentre os depoimentos dos segurados, destaca-se que alguns fatores dificultaram a adaptação ao novo trabalho, tais como exercer uma função com a qual não se identificavam, a reorganização de horários para refeições, formação de vínculo com colegas novos, acomodação por ficar muito tempo em casa, medo do retorno após tanto tempo de afastamento, recolocação em setores onde precisavam trabalhar sozinhos sem comunicação com outros trabalhadores, aceitação dos limites impostos em função da doença ou acidente no trabalho. Para estes trabalhadores, foi preciso construir uma nova identidade profissional a partir do momento em que retornaram para a empresa.

Conforme Sato et al. (1993), após a doença, o trabalhador sente necessidade de reconstruir a própria identidade, vulnerada pela impossibilidade de realização das atividades que realizava anteriormente e pelo fato de não saber mais, exatamente, quais são seus limites e suas possibilidades. A reconstrução da identidade implica na busca de um novo sentido para a própria vida, seja através da readaptação à atividade laborativa, quando a lesão causar incapacidade apenas parcial para o trabalho, seja na busca de uma nova forma de trabalho possível, diante da incapacidade total para realização da atividade realizada antes do agravo.

"É uma nova readaptação, aos horários, para almoço, aos colegas. Me sinto como num novo emprego, novo funcionário na empresa. Me senti mais ou menos, porque eu cheguei aqui achando que não conhecia ninguém e aos poucos fui me enturmando" (P2).

"Agora eu já estou circulando na loja, mas nos primeiros dias é complicado, foi horrível, fiquei angustiado, estava acostumado a me movimentar, parece que eu tava preso ali, acostumado a circular, andar no supermercado, conversar com o pessoal" (P3).

"Eu poderia trabalhar em qualquer função, depois tu vê que não tem mais aquela capacidade de trabalhar na função que tu tinhas, tem os limites, não é fácil no começo para ti aceitar, só sabe que tu tens limites e até aonde tu podes chegar, tu te sente um inútil" (P4).

"No começo eu me senti perdido dentro da função, porque dentro da fabrica a gente trabalha com vários colegas e ali eu me senti sozinho, isolado, e aí, nas primeiras semanas, é uma coisa nova. A gente sente falta do ambiente com outras pessoas junto. Mas depois com o tempo fui começando a lidar com o computador, a mandar e-mail, a fazer alguma comunicação, ganhei uma linha de telefone para mim ligar para os ramais, me senti mais à vontade" (P5).

As falas revelam sentimentos tipicamente encontrados na situação de primeiro emprego, acentuados, no entanto, pela existência de algum tipo de déficit, devido ao fato dos participantes não possuírem experiências profissionais anteriores. O trabalhador, portanto, tem um duplo processo de adaptação, ao novo trabalho, grupo, chefia e a uma nova identidade profissional, em tal circunstância, portanto, necessita buscar seu espaço, ou seja, retomar o projeto profissional interrompido.

 

9 Relacionamento com chefias e colegas

Os participantes demonstraram que o relacionamento com chefias e colegas não chegou a ser um problema no retorno ao trabalho, pelo contrário, foi um elemento facilitador de seu processo de reingresso à empresa. Resultado semelhante foi identificado por Gravina e Rocha (2006), que referem que o apoio recebido de colegas e chefias é importante fator motivacional. O fato de compreenderem a situação pela qual eles estavam passando colaborou para que o retorno ao trabalho fosse o mais adequado possível:

"Fui muito bem-recebido pela chefia, meus colegas eram os mesmos, fui bem tratado, bem recebido, meu chefe é um cara ótimo" (P1).

"Normal, bom relacionamento, eu sempre fui de me relacionar bem, não houve dificuldade"(P2).

"Tem um chefe lá que na época trabalhava comigo, chefe da segurança, com os colegas foi tranquilo também, me dou bem com todo mundo, eu nunca tive da minha parte problema nenhum com alguém" (P3).

"Foi superlegal, na época que eu voltei, tinha muito serviço, muita correria e eles estavam precisando de gente e eu fui a salvação na hora" (P4).

"O relacionamento continua tudo aberto, fui bem-recebido, não tive nenhuma contradição, porém, tenho mais contato com a gerente de recursos humanos" (P5).

Percebe-se a importância dos colegas e da chefia nesse momento de retomada das atividades laborais. Chefia, geralmente, proporciona suporte social do tipo instrumental, elemento importante nas relações profissionais e fundamental para o processo de reinserção. Colegas, por vezes, também proporcionam tal suporte, mas o social-afetivo é sua característica principal. Assim, parece que essas duas instâncias de apoio superam as dificuldades anteriores encontradas e impostas pela instituição.

 

10 Percepção da família no retorno ao trabalho

As famílias mostraram-se acolhedoras em relação ao período em que os participantes ficaram afastados e, ao mesmo tempo, deram estímulo para que estes retornassem para suas atividades laborativas após a conclusão da reabilitação no INSS. "A minha esposa e a minha mãe acharam bom, sou agitado, não paro, tinha de estar sempre mexendo em alguma coisa, mas elas também tiveram medo, surgiu aquela dúvida, se tu voltar agora a empresa pode até te botar na rua, porque no caso eu não tinha estabilidade nenhuma" (P3).

"Ela até enjoou, eu fiquei todo este tempo parado em casa, ela dizia quando tu tava trabalhando a gente não se via muito, agora eu quero mais é que tu volte e cresça na empresa, que tu evolua mais, até me deu força" (P5).

Observa-se um apoio familiar incondicional tanto para retornar ao trabalho como para decidir por sair da empresa, como é o caso do P1, devido ao fato de estar insatisfeito com o processo de reabilitação profissional proporcionado pela mesma:

"Minha esposa ela concorda comigo de eu sair da empresa, fiquei cinco anos afastado, ganhava meu salário limpo, era diferente, agora, eu voltei e quase fui parar no SPC, o salário vem descontado, passagens, previdência, um monte de coisas".

Pode-se verificar, por parte da família, a percepção do trabalho como ocupação, crescimento e ascensão econômica. As pessoas, representantes do contexto familiar, demonstram sentimento de confiança no trabalhador, apoiando-o, não somente em relação ao retorno, mas também na busca de uma nova ocupação em outra organização de trabalho que lhe proporcione satisfação e realização profissional.  As famílias representam um importante papel neste processo, pois a situação também interfere na dinâmica das suas relações.  O apoio recebido pode representar a busca pelo retorno da condição familiar anterior ao agravo e afastamento do trabalho.

 

11 Considerações finais

A relação homem-trabalho é indissociável de suas características biológicas, físicas, sociais, culturais, morais e históricas que interagem com frequência, constituindo a complexidade do ser humano. Não se pode pensar e refletir sobre trabalho sem se considerar as várias esferas que compõem a vida humana. O contexto de trabalho, atualmente, não é mais o cenário, o pano de fundo, onde se desenvolvem os acontecimentos de saúde-doença dos trabalhadores, anteriormente atribuídos às características e comportamentos do trabalhador. O contexto laboral é, hoje, considerado elemento constitutivo e interativo nesse processo. A relação que o homem estabelece e a forma que pensa e interage com seu trabalho e contexto, bem como constrói sua vida ocupacional, são questões importantes para o entendimento e acompanhamento de seu processo de reinserção profissional.

 Na perspectiva dos participantes desta pesquisa, o trabalho  revela a necessidade de se  sentir útil e produtivo, capaz de lhes proporcionar desde a sobrevivência, independência financeira, custeio pessoal e familiar, passando pela elevação da autoestima e identidade profissional, culminando com a realização pessoal e profissional. Por meio dele, o trabalhador, tanto na inserção como na reinserção, busca o exercício de suas potencialidades e habilidades, assim como oportunidades de fazer escolhas. 

O trabalho é, portanto, elemento constitutivo da sua história de vida que não se rompe com o agravo da saúde; é, tão somente, interrompido por motivo de incapacidade, seja ela ocasionada por doença ou por acidentes de trabalho.

Se, por um lado, o trabalho é reconhecido como uma das fontes de satisfação de diversas necessidades humanas, como autorrealização, manutenção de relações interpessoais e sobrevivência, por outro, pode-se observar condições de trabalho que pouco têm favorecido a preservação e promoção da saúde do trabalhador. Verificam-se condições e espaços que ignoram a história ocupacional dos entrevistados e desrespeitam sua singularidade. Predomina a visão utilitarista e mecanicista que não respeita os limites físicos, cognitivos e emocionais, acarretando acidentes ou doenças relacionadas ao trabalho. Ou seja, mantém-se a continuidade da lógica anterior ao agravo. O trabalho foi, antes do agravo, e volta a ser, no processo de reinserção, fator de sofrimento e de, possivelmente, um novo ou outro adoecimento.

As reflexões acerca do significado do trabalho devem levar em consideração a subjetividade dos trabalhadores, suas vivências, representações, valores, crenças e atitudes como sujeitos sociais, questões importantes que conduzem organizações e trabalhadores  na direção de uma melhor qualidade de vida no contexto de trabalho e do trabalho realizado.

A partir dos relatos, verifica-se que os trabalhadores percebem que o Programa de Reabilitação Profissional auxilia, mas não garante efetivamente o seu retorno para a empresa levando em consideração suas potencialidades e limitações decorrentes das sequelas adquiridas no trabalho.

O INSS, através do seu trabalho, é percebido como a ponte que os sustenta nesse caminho de volta ao trabalho. Já quanto às empresas, percebem, os sujeitos do estudo, que estas dificultam o seu retorno, pois é a organização quem determina o grau de participação dos trabalhadores na realização das atividades, pois de fato não há a preocupação em definir um novo posto de trabalho ou fazer reajustes no trabalho realizado anteriormente. As organizações, muitas vezes, não consideram outras habilidades e aptidões para uma nova função. 

Desse modo, é fundamental o estabelecimento de uma parceria produtiva entre trabalhador, INSS e empresas de vínculo. É importante uma avaliação criteriosa sobre a atividade a ser realizada pelo trabalhador, análise que deve avaliar não somente suas condições físicas, técnicas e operacionais, mas também suas condições emocionais. As ações devem contemplar uma retomada na trajetória profissional do trabalhador segurado, considerando que sua incapacidade laboral não envolve somente um recomeço a partir de uma sequela física, um retorno à possibilidade de sustento, significa, ademais, a retomada de sua autoestima, identidade, autonomia e inclusão social.

Por fim, é importante considerar as limitações do presente estudo, uma delas é a impossibilidade inerente ao estudo de delineamento qualitativo de generalizar seus resultados. Outra diz respeito aos participantes, trabalhadores de uma região específica do sul do  país, cujas características de trabalho e organizações podem ser diferentes em outras regiões e contextos.

Assim, é de fundamental importância a ampliação e aprofundamento de estudos com esta temática, objetivando-se a consolidação dos resultados obtidos, bem como a geração de novos.

 

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Endereço para correspondência
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Recebido em: 14/04/2010
Reformulado em: 31/01/2011
Aceito para publicação em: 31/01/2011
Acompanhamento do processo editorial: Ana Maria Lopes Calvo de Feijoo

 

 

Notas

* Psicóloga, graduada pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA/Canoas).
** Psicóloga; Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA/RS). Doutora em Psicologia Social (USC/ES); Professora da Faculdade de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PUCRS). Bolsista produtividade do CNPq.
1 Código alfanumérico de tipos de benefícios concedidos pelo INSS.